Entrevista de Gustavo Dourado a Prefácio.Net,
Clésio Boeira
Um escritor emergente da literatura tradicional e um dos mais
conhecidos da literatura virtual brasileira é nosso entrevistado
nesta edição: Gustavo Dourado, nove livros físicos e dezenas de
e-books. Educador e, eventualmente revisor de textos, esse baiano,
de 45 anos, residente em Brasília, respira literatura como ar.
Apaixonado pelo Cordel desde três anos de idade, estuda e pesquisa
e, ao mesmo tempo, é estudado e pesquisado por estrangeiros interessados
em conhecer a história da criação popular no Brasil. Uma vida
dedicada aos livros o ensinou o quanto é difícil o reconhecimento
e o acesso ao fechadíssimo universo do livro das editoras, dos
livros nas prateleiras e dos cadernos literários dos jornais.
As respostas de Gustavo Dourado são cirúrgicas sobre as agruras
inevitáveis para quem sonha em conquistar seu lugar entre as letras
cantadas e decantadas no País.
01
- Você é um dos autores mais conhecidos da literatura virtual.
O que pôde conquistar nesses anos?
GD - Consegui alguma
projeção na Internet e a divulgação em importantes portais
como Prefácio, Jornal de Poesia, Blocos, Vânia Diniz, Ecos
e Cronópios. Conquistei muitas amizades e alguns aborrecimentos,
o que encaro como fatos normais da vida. Publiquei uma antologia
poética virtual que pode ser visitada e lida integralmente
no seguinte endereço: www.gustavodourado.ebooknet.com.br
e uma página onde além de publicar os meus textos, publico
constantemente alguns colaboradores e pessoas que me enviam
textos. O endereço é: www.gustavodourado.com.br
. As páginas citadas foram selecionadas e referenciadas pelo
World Poetry Day da Unesco e aparecem muito bem posicionadas
no PageRank do Google e de outros sites de busca. Fico feliz
de ter sido selecionado pelo aspecto conteúdo e qualidade
do trabalho. Conquistei um pequeno espaço na vastidão infinita
do universo literário. Sou um grão de areia nas eternas praias
do infinito. Conquistei o mundo e luto para conquistar a mim
mesmo.
02
- Você faz literatura virtual e literatura tradicional. São
facetas bem diferentes. Quais vantagens e desvantagens de
cada uma delas?
GD - Transito pelas
duas margens dos rios literários tradicional e virtual. Faço
uma interação entre as duas facetas.
No tradicional publiquei nove livros por minha conta e fiz
os próprios lançamentos em Brasília, Rio, São Paulo, Salvador,
Goiânia etc. A vantagem é que o que eu investi deu um pequeno
retorno. Os livros estão todos esgotados. Vendi muitos livros
e outros doei para bibliotecas e estudantes e leitores que
não podiam comprar. Não gosto de deixar o livro parado à espera
do mofo e das traças. Como não tenho contrato editorial nem
distribuição comercial, quando não consigo vender todo o estoque,
faço distribuição gratuita. Deixo livros nas praças, ruas,
bares, restaurantes, bibliotecas, favelas e até em portarias
de blocos de apartamentos e pontos de ônibus e no metrô. Nunca
tive um livro devolvido. É muito difícil publicar poesia no
Brasil, principalmente para quem está fora do eixo Rio-São
Paulo e está excluído das esferas do poder e do mercado editorial.
Optei pelo virtual, pois não tenho pretensão (por enquanto)
de ganhar dinheiro com a poesia. Se por acaso ganhar algum,
não farei nenhuma objeção. Sei que não é fácil e não alimento
ilusões literárias. Vou continuar a atuar como um franciscano
e a doar gratuitamente o que escrevo e o virtual me possibilita(em
parte) realizar essa façanha. Sobrevivo com o meu trabalho
de educador e de algumas revisões e redações ocasionais.
No Prefácio publiquei 1171 textos que foram visualizados 24377
vezes, o que não é pouco. Podem ser lidos no link: http://www.prefacio.net/?view=artigos&colunista=88
. Aproveito para parabenizá-lo publicamente pela heróica iniciativa.
Tenho textos publicados em centenas de sites e nunca tive
problema de ter textos fraudados na Internet, o que acho muito
positivo. As fraudes que cometeram contra os meus textos foi
na literatura tradicional, onde levei golpe de alguns editores
e tive textos copiados por alguns escritores de caráter duvidoso.
03
- Você tem espaço na mídia. Como avalia a relação mídia/escritor
no Brasil?
GD - Meu espaço na mídia
é mínimo e ocasional. Como trabalho em literatura desde os
11 anos e já estou com 45, de vez em quando consigo alguma
nota, resenha ou entrevista. Está cada vez mais difícil se
ter espaço nos jornais tradicionais. A Internet parece ser
o único caminho viável, por enquanto.
Ocasionalmente os editores dos diários são generosos com os
poucos amigos escritores, a maioria deles jornalistas, que
também se aventuram na senda literária. São poucos os que
conseguem divulgação nos cadernos literários e nas páginas
culturais. Se o autor não for ligado a uma grande editora,
ele simplesmente é ignorado e esquecido. Tem que ter o tal
do marketing e do merchandising. Sem essa dupla, não se consegue
quase nada. Poucos poetas têm editora, em conseqüência, poucos
têm mídia e divulgação.
Não é do meu feitio bajular editores e jornalistas para ter
espaço literário. Vejo muitos autores medíocres com espaço
nos jornais. É uma pena que o espaço não seja preenchido por
textos e autores de qualidade. Abunda-se também o colunismo
literário de caráter duvidoso. Elogia-se os amigos e critica-se
os desafetos. É uma postura lamentável de certos periodistas.
04
- Qual as motivações de pesquisadores internacionais que se
didicam a pesquisar Gustavo Dourado?
GD - O interesse maior
é pela literatura brasileira como um todo. A maioria dos pesquisadores
que me procurou foi por causa do cordel que pratico. O cordel
tem origens milenares, clássicas e tradicionais e é um tipo
de poesia que teve grande presença na Europa medieval e influenciou
autores renomados como Shakespeare, Dante, Cervantes, Rabelais,
Camões, Gil Vicente e os trovadores provençais.
O cordel (com outras denominações) foi significativo na França,
Itália, Alemanha, Espanha e Portugal. Literatura de Colportage,
Pliegos Sueltos, era como se conhecia o cordel na comunidade
européia.
O cordel está presente na obra de grandes autores como Guimarães
Rosa, Orígens Lessa, Jorge Amado, Rachel de Queirós, José
Américo de Almeida, Dias Gomes, Cora Coralina, Mário de Andrade,
Orlando Tejo, Manuel Bandeira e principalmente Luís da Câmara
Cascudo, Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto e na primeira
fase literária de Ferreira Gullar.
Sente-se a influência do cordel até nos autores da teledramaturgia
e da novelística televisiva e radiofônica. O cordel influenciou
a MPB, o baião. o forró, o xaxado, o xote, a embolada, o samba
e diversos ritmos populares. Os grandes compositores da MPB
são trovadores pós-modernos: Chico Buarque, Caetano Veloso,
Gilberto Gil, Zeca Baleiro, Zé Ramalho, Alceu Valença, Belchior,
Ednardo, Chico Cézar, Chico Science, Fernando Brant, João
Bosco, Ivan Lins, Teixerinha, Nara Leão, João do Vale, Geraldo
Vandré e até o roqueiro Raul Seixas... Entre todos sobressaiu
o incomensurável Luiz Gonzaga, o rei do baião. Com esse arcabouço
ficou fácil para eu chamar a atenção de alguns pesquisadores
da literatura e da cultura popular.
05
- Se você pesquisasse a si mesmo (apenas para raciocinar),
o que destacaria hoje?
06
- Qual a importância do cordel em sua vida literária?
GD – O cordel é a base
de toda a minha literatura. Parece que germinei e nasci no
universo do cordel. Está no sangue e no dna. Aprendi a ler
nos folhetos, abcs e romances da poesia popular. O primeiro
cordel que li (aos três anos de idade) foi Juvenal e o dragão
atribuído ao precursor do cordel, o grandioso poeta paraibano
Leandro Gomes de Barros (autor de cerca de mil títulos). Depois
li o Romance do Pavão Misterioso, romances da cavalaria, de
costumes, de crendices, cangaço, valentia, exemplos, aventuras,
religiosos, míticos, histórias de reis, rainhas, príncipes,
princesas, duques, duquesas, os mais diversos estilos da poesia
cordelística.. Ainda menino eu ia para as feiras acompanhar
os cordelistas, mamulengueiros, repentistas, emboladores,
aboiadores, rezadeiras e contadores de histórias. Li e reli
milhares de folhetos dos principais cordelistas de todos os
tempos, de todos os ritos e estilos. Li quase todos os romances
de Leandro Gomes e de Rodolfo Coelho Cavalvante. Leio constantemente
os poetas cordelistas na Internet e no tradicional. Crio em
vários gêneros literários, poesia experimental, artigos, ensaios,
contos, crônicas, haicais, mas é no cordel é que me sinto
em casa e onde expresso com mais naturalidade o meu processo
criativo.
07
- Você também pesquisa, para homenagear personalidades brasileiras...
GD – Faço intensa pesquisa
na Internet, em livros e enciclopédias e biografias qualificadas
e faço comparações. Tento simplificar as complexidades. Na
seqüência podem ser verificados alguns textos e cordéis que
publiquei em minha coluna Cordel na Internet em Cronópios
www.cronopios.com.br,
a maioria dos textos são reproduzidos no Prefácio: www.prefacio.net
.
08 - Por que você usa
tanto o cifrão em suas poesias?
GD – Essa história do
cifrão nasceu como uma crítica à subserviência do Brasil aos
Estados Unidos, na minha frase-poema: O Bra$il quem U$A sou
E.E.U.U... A partir desse período (1977), de vez em quando
utilizo o cifrão em alguns textos para lembrar a presença
do capital e o seu poder de dominação e a necessidade de as
pessoas se revolucionarem em todos os sentidos. Mais poesia
e menos capital nas ações e relacionamentos, seria uma grande
revolução. Ainda é um sonho...
PING -PONG
09 - Um escritor...
E um livro...
GD - Guimarães Rosa...
Grande Sertão: Veredas
10 - Uma esperança
GD - Ver o Brasil independente,
soberano, autônomo e alfabetizado. Ver o fim da miséria, da
violência, da fome e da corrupção. Ver a paz reinar entre
os homens.
11 - Uma convicção
GD - Que a educação
é o melhor caminho para diminuir as exclusões, diferenças
e desigualdades sociais. Que a literatura pode abrir os caminhos
dos céus...
12 - Um medo
GD - Dos nossos políticos
e suas armadilhas e mediocridades. Da nossa elite perdulária
e avarenta.
13 - Um nome que merece
críticas e outro que merece elogios
GD - Não gosto de criticar
ninguém. Vejo nomes supervalorizados pela mídia como as Xuxas
e os Paulos Coelhos da vida. Pode ser que eles tenham algum
valor.
Gosto de elogiar os grandes nomes de nossa literatura como
Castro Alves, Gregório de Matos, Rosa, Clarice, Cabral, Bandeira,
Drummond, Vinícius, Torquato, Veríssimo, Quintana, Mário Faustino,
Jorge Amado, Gullar, os Campos, Cora Coralina, Bernardo Élis,
Herberto Sales, Adonias Filho, Rachel de Queirós, Lygia Fagundes
Telles, Lima Barreto, Cecília Meireles, Scliar e tantos outros.
Entre todos, um se destaca pelas suas virtudes e peculiaridades:
o grande mestre Joaquim Maria Machado de Assis. Escritor genial,
entre os melhores autores do mundo de todos os tempos, se
não for o melhor. Machado é um orgulho para todos nós brasileiros.
Somo a Machado os nome de Guimarães Rosa e Clarice Lispector.
14 - Gustavo Dourado
por si mesmo em três linhas
GD - Sou um cidadão
comum, que luta para sobreviver com dignidade em um mundo
desigual e cheio de contradições. Um sonhador, um poeta, que
ainda acredita na utopia e na esperança.