Caminho das Letras
ENTREVISTA COM O POETA FRANCISCO
GUSTAVO DE CASTRO DOURADO (AMARGEDOM)
Gustavo Dourado - Amargedom - é
o atual presidente do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal.
Escritor, poeta, professor, promotor cultural, Amargedom prima
pela multiplicidade de ações e ofícios que
exerce, firmando-se no cenário cultural brasiliense pelo
dinamismo com que executou as funções de assessor
de literatura na Fundação Cultural do DF, implantando
projetos fundamentais para a difusão e estímulo
da literatura em Brasília.
1. Conhecido por seu dinamismo e
criatividade desde os bancos escolares, onde você foi buscar
essa energia toda para realizar tantas atividades? Tem algo a
ver com seu pseudônimo Amargedom?
Gustavo Dourado.: Sim. No Sertão.
Na caatinga, no universo mágico dos cantadores, repentistas
e cordelistas. Na culinária sertaneja: cuscuz, aipim, beiju
de tapioca, pinha, umbu, etc. Na energia do sol escaldante, no
brilho das estrelas e na magia da lua. Nos mistérios da
Chapada Diamantina... Na coragem dos vaqueiros, na valentia dos
cangaceiros e na criatividade dos criadores e artesãos.
2. Coordenador e programador em
Brasília de recitais em cafés e restaurantes e da
bem sucedida iniciativa poesia nos ônibus, como você
situaria o panorama da literatura no Distrito Federal?
GD.: Recordo-me dos bons tempos
da Livraria Presença, do Café Belas Artes, do Almoço
com o Escritor, do Fórum Brasília, do Encontro com
a Palavra, do Fórum Permanente de Escritores, dos lançamentos
de livros/autógrafos, dos recitais poéticos nos
cafés, bares e restaurantes, dos encontros de escritores
nas Bibliotecas, na Rodoviária, nos Shoppings, nas diversas
regiões administrativas, das revistas Lavra, Víbora,
Bric-à-Brac e principalmente da Poesia no ônibus
com 75 poetas consagrados , Carlos Drummond de Andrade, Mário
Quintana, Henriqueta Lisboa e vários poetas candangos e
inéditos .
Hoje, temos muitos críticos e poucas ações.
A Secretarua de Cultura abandonou todos os projetos literários
com exceção da Bolsa Brasília de Produção
Literária por mim idealizada e que retornou em 2001, depois
de muitas cobranças. Algumas palestrasno Sindicato dos
Escritores, na Academia Taguatinguense de Letras, Lançamentos
de livros e posses acadêmicas.
O principal projeto desenvolvido pelo Sindicato é sem dúvida
a Estante do Escritor Brasiliense que já foi desenvolvido
na UnB, CEUB, livrarias, bibliotecas, escolas, cafés, bares,
espaços culturais, restaurantes e até em presídios,
postos de gasolina e hospitais.
Brasília tem muitos escritores de qualidade nos diversos
níveis, muitos com importantes prêmios literários.
Falta, porém, editoras distribuidoras, agentes literários
e divulgação dos autores na mídia. Uma boa
iniciativa seria a criação do Instituto do Livro
no DF.
3. A que você atribui essa espécie de discriminação
orquestrada que o eixo cultural Rio/São Paulo criou para
Brasília, desprestigiando seus intelectuais e marginalizando
sempre qualquer empreendimento aqui sediado - trata-se de armação
mesmo da mídia ou tem algum cérebro maquiavélico
por trás dos bastidores culturais mexendo os pauzinhos
da intriga com fins mais espúrias?
GD.: Atribuo ao corporativismo das
elites do eixo Rio/São Paulo, aos domínios dos meios
de produção, edição e divulgação.
A concentração da grande imprensa, da mídia
das editoras e distribuidoras no Rio e em São Paulo. E
principalmente ao Poder Econômico que praticamente determina
todos os atos. Até hoje não aceitam Brasília,
pela inovação arquitetônica e poética
e por deslocar o poder político do litoral para o interior
do país, grande feito do Presidente JK. Isso eles não
perdoam até hoje. Perderam os embaixadores, o glamour,
o executivo, os ministérios. Entretanto, eles têm
o capital, as indústrias, as praias... Brasília
tem o futuro e a modernidade.
4. Comenta-se que a classe de escritores
- e também a dos intelectuais - é desunida e que
a discórdia caracteriza o ambiente onde seus conclaves
se realizam. Recentemente, num recital de poesia organizado pelo
poeta Chacal, no Rio, aquele vate, reconhecidamente de atitudes
rebeldes, fez alusões desairosas às lamentáveis
ocorrências do dia 11 de setembro em Nova York, vítima
de atentados terroristas. O fato acarretou a fúria do teatrólogo
Gerald Thomas, que respondeu as insinuações chamando
o poeta, em artigo no Jornal do Brasil, de "ignorante"
e "nazista". Há esse tipo de entrevero no seio
do Sindicato dos Escritores que preside?
CD.: A atividade é muito individual e a concorrência
é enorme. De vez em quando surgem figuras estereotipadas
e espalhafatosas
Que adoram aparecer e se preciso for criticam até a mãe.
Adoram uma futrica. Atualmente, estamos em harmonia e com uma
boa equipe de pessoas sensatas. Em outras épocas, tivemos
alguns fundamentalistas que para nossa alegria não mais
freqüentam o Sindicato. Hoje, não se pode mais viver
atitudes extremistas e sectárias.
Outros julgam-se iluminados, que são melhores que os demais.
Acusam os desafetos de subliteratos etc.
Ninguém mais suporta esses críticos de plantão,
despreparados, sem estilo,ética e estética. Quem
deve julgar a obra e o autor é o público. Só
o tempo tem a resposta. Talento não é juízo.
Devemos cultivar a tolerância e a compreensão. E
a ética deve prevalecer. Paz.
5. Temos notícias de que
você foi reeleito para mais um mandato no Sindicato. Que
balanço você faz de suas atividades nesse órgão
de classe até agora e que projetos ou planos encontram-se
em andamento?
GD.: Fui reeleito. Foi consenso
da categoria. As pessoas reconheceram o nosso esforço,
a nossa linha... É uma grande peleja. A estrutura é
mínima, o trabalho é árduo. Já desenvolvemos
bons projetos, como a Internet, desde 1999, o site Usina de Letras
www.usinadeletras.com.br,
com o apoio do Portal Terra. O site hoje ultrapassou de 3 mil
autores e tem divulgação mundial em dezena de países.
Recebo diariamente correios eletrônicos de vários
estados e países sob re a Usina, criamos uma página
específica do Sindescritores com histórico, artigos,
eventos, galeria fotográfica, links literários.
A página está em processo de construção
e tem domínio próprio www.sindescritores.com.br.
Desenvolvemos o Projeto Estante do Escritor Brasiliense em Universidades,
bibliotecas, livrarias, escolas, bares, restaurantes, espaços
culturais, galerias, presídios, postos de gasolina, etc.
è um projeto fundamental para a divulgação
e distribuição do escritor brasiliense, que deveria
ter apoio dos burocratas culturais do Governo.
Houve um retrocesso na cultura com
a extinção da Fundação Cultural, reina
o obscurantismo e a estupidez. Somos totalmente discriminados.
Vivemos uma aparthaid cultural. Os atuais dirigentes culturais
não apreciam literatura e escritores.
Ressaltamos o apoio da Biblioteca Demonstrativa, com Conceição
Moreira Sales à frente, sempre nos apoiando com a sua boa
vontade.
Reativamos o Escriba, nosso informativo que em breve estará
na Internet. Faltam recursos, sede, estrutura. Temos perspicácia
e perseverança. Esperamos em breve reativar alguns projetos
como o Café Literário, o Encontro com a Palavra,
a Poesia no Ônibus, entre outros.
Apoiamos centenas de lançamentos de livros, com excelentes
noites de autógrafos no Carpe Diem, em Taguatinga, nas
Rodoviárias, na Ceilândia, nas bibliotecas, na UNB,
CEUB, em bares, restaurantes e espaços diversos.
Participamos de várias comissões de concursos literários
e de redação como da Fundação Assis
Chateaubriand nos Diários Associados, Ministério
da Previdência, O Estado de São Paulo, Secretaria
de Administração do GDF, Metrô, DF-Letras,
OAB, Imprensa Nacional, concursos de bibliotecas, associações,
sindicatos, etc.
Projetamos a Bolsa Brasília de Produção Literária
com apoio da Câmara Legislativa (Deputados Lúcia
e Magela). Estamos na luta pela literatura brasiliense nas escolas,
projeto da ex-deputada Rose Mary Miranda em via de regualamentação
em projeto do Deputado Edimar Pireneus. Diariamente encontramos
vários autores com indicação de editoras,
sobre Direitos Autorais, Registro de Livros, ISBN, Internet, lançamentos/autógrafos,
divulgação na imprensa, etc.
Encaminhamos vários autores ao FAC, muitos foram publicados,
alguns até premiados. Fazemos muita coisa com a pouca estrutura
que temos, mesmo assim, com tanto trabalho ainda recebemos críticas
injustas de meia dúzia de escritores, que se julgam iluminados,
muitos dos quais beneficiados por alguns de nossos projetos. É
a vida. A mentira não prevalecerá e a justiça
e a verdade virão com o tempo.
6. A refletir-se em seus poemas,
você é um poeta de vanguarda. Como você situaria
atualmente a poesia na perspectiva pós-modernista, superados
os engenhos e os artifícios estilísticos e estruturais
apregoados pelas vertentes que adotam a poesia-concreta, a poesia-praxe
ou a poesia-processo? Você não acha que estas configurações
acabam colocando a poesia num beco sem saída?
GD.: Gosto de experimentar, inventar, criar, pesquisar. Escrevo
desde os cinco anos. Comecei com a trova, a poesia romântica
e o cordel. Recebi influência da poesia popular dos cantadores
de história, dos causos, do folclore. Sou quase um bibliófilo,
um bibliotecário nato, tenho uma pequena biblioteca com
6 mil livros de literatura, poesia, crítica, ciência,
informação etc.Fui influenciado por vários
estilos e correntes, li os clássicos, Machado de Assis,
Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha, Drummond,
Borges, Cabral, Cecília, os modernistas, sonetistas, trovadores,
poetas de todos os gêneros e estilos; Zé Limeira,
Rimbaud, Maiacoviski, Cego Aderaldo, James Joyce, Castro Alves,
Gregório de Matos, Padre Vieira, Camões, Fernando
Pessoa, Vínicius de Moraes,Josué de Castro, Murilo
Mendes,poetas brasilienses, cordelistas, antologias, coletâneas
etc.
Tive bons professores e conselheiros como Cassiano Nunes, Aglaeda
Faço, Sérgio Waldeck, B.de Paiva, Antônio
Sales, João Ferreira, Diana Bernardes, Luiz Piva, Augustinos
Staub, Eudoro, Melatti, Venicio Artur de Lima, Manuel Vilela,
Tarlei Aragão, Maju, Antônio Barros, Climério
Ferreira, Márcia Macedo, entre outros. Quando menino tinha
uma preleção pela leitura do dicionário,
da Bíblia, de revistas e de folhetos de cordel, lia tudo.
Continuo a pesquisar nos livros e mais recentemente, na Internet.
Tenho dezenas de obras inéditas, contos, críticas,
poemas, romance, estudos, análise, cordéis. Misturo
o erudito com o popular, minha poesia é quântica.
Estou em processo de pesquisa, em permanente estado de busca.
Espero conseguir uma síntese de bom nível e que
agrade ao público leitor
7. Como dirigente sindical, sua
postura política é de adotar uma visão solidária,
de cautela e valoração dos direitos e interesses
dos escritores que representa. Qual sua opinião sobre a
propalada "democratização da cultura",
no bojo da qual se engaja a própria literatura? Há
correntes de intelectuais que a vêem como "massificação
cultural", um retrocesso, preconizando a anulação
da própria arte, de si, personalista e elitizada. Dante
e Shakespeare, Afonso Schmidt e Murilo Mendes, por exemplo, foram
grandes poetas porque deram ao ofício poético características
inconfundíveis de dignidade e autodomínio, o que
se contrapõe a técnicas e artifícios que
levam a poesia a pasteurizar-se, perder a personalidade e apequenar-se.
GD.: A arte, a literatura e o processo
criativo caíram na vala da mediocridade, do lugar comum,
da pasteurização. Muita coisa apresentada pela mídia,
não passa de modismo, oba-oba. Grandes poetas e criadores
são relegados ao último plano, enquanto a poetagem,
os poetastros são elevados a "pop star", pela
ação transgressora e repulsiva de determinados periodistas.
Alguns poetigueiros são privilegiados pelos meios de comunicação,
pois sabem muito bem usar o poder de convencimento, a ação
publicitária, o populês e mesadas.
É lamentável o nível de desinformação
e deturpação a que chegamos.
Vejo muitos medíocres e plagiadores recebendo prêmios,
láureas e glórias, preterindo os autênticos
criadores. A grande imprensa e a politicagem se irmanam para alienar
o público e produzir a massificação cultural..
8. Ainda sob esse enfoque, como
você analisa a proliferação atual das Academias
literárias, no Brasil e no DF? A seu ver, como compatibilizar
a idéia de popularizar a cultura, se as Academias decantam
o elitismo, estimulam a segregação dos escritores
e praticam o estrelismo nas suas atividades, submetendo seus membros
a um regime de contínua fossilização cultural?
GD.: É preciso fortalecer
o Sindicato dos Escritores. Ver o texto de Nelson Werneck Sodré
no site do Sindescritores www.sindescritores.com.br
. A Academia tem o seu papel, a sua importância,
todavia, o excesso de Academias provoca a ridicularização
do escritor. Em Brasília temos dezenas de Academias que
tornam-se inócuas e clientelistas. Às vezes um escritor
não consegue uma vaga em determinada Academia e acaba criando
outra. Temos também o caso de diretores que se perpetuam
nos cargos. O excesso de Academias e o culto à vaidade
dificultam o trabalho sindical e a conscientização
do Escritor, provocando a fossilizaçção cultural,
O elitismo e a segregação.
9. Podemos saber mais sobre seus
projetos, refiro-me ao exercício de outros gêneros
literários, além do cordel, do folclore e da pesquisa
cinematográfica?
GD.: Além do cordel, do estudo
do folclore (cultura popular) e da pesquisa cinematográfica,
atuo no campo da lingüística, da semiótica
e da semiologia, em pesquisa contínua com a linguagem poética
e prosaica. Experimento em vários níveis, criando
neologismos, artigos, interlinguagem, interlíngua, pensamentos,
frases, provérbios.
Colaborei com vários artigos sobre literatura no jornal
de Comunidade, no JBN, DF Letras, jornais e revistas e na Internet
Estou em processo de criação em vários níveis
de linguagem e estilos: conto, crônica, romance, ensaio,
artigos, lingüística e genealogia.
Gosto muito da poesia oral, de ler, falar, dramatizar e recitar
o poema. Há poucos dias recitei no Templo da LBV para milhares
de pessoas, em evento pela Paz Mundial. A receptividade foi excelente.
Recitei poemas na TV e no rádio. É uma experiência
fantástica. Sou muito sonoro, gosto da poesia fônica,
dita, falada. Adoro o contato pessoal com o público, a
declamação.
10. Dê sua impressão
pessoal sobre nosso site e o que sugere para melhorá-lo.
GD.: O site está excelente,
muito interessante e criativo. O www.caminhodasletras.com.br
destaca-se no cenário
da Internet. Gostaria de ver a publicação da revista
LAVRA, IDÉIAS & LETRAS nos arquivos da Internet. A
melhoria vem com o tempo e com a colaboração dos
leitores e internautas. Parabéns.
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