Busca
Home
ENTREVISTAS



Entrevista a Vânia Moreira Diniz

Vânia Diniz - O que queria, sua infância comum, o que você fazia, onde viveu, brincou, sonhou, suas esperanças?.
GD - Nasci na Bahia, na Chapada Diamantina, Ibititá, Povoado do Recife dos Cardosos, um aglomerado de pequenas fazendas, sítios, chácaras, roças, roçinhas e roçados. Minha infância era no mato, na caatinga, brincando com pássaros e animais. Andava pelo campo, a pé, a cavalo e também no inteligente jumento, que de burro não tem nada...Ajudava a campear o gado, ovelhas, carneiros, cabras, bodes, suínos...A vida que levava um menino do campo do interior nordestino, da Chapada Diamantina, Baixo - Médio São Francisco, com suas crendices, sonhos, devaneios, histórias e enigmistérios... Além do povoado de Recife, morei em Rochedo, atual cidade de Ibititá ( terra de minha mãe Edelzuíta e de meus avós Gustavo Cardoso Dourado e Arlinda de Castro Dourado), nos contrafortes da linda Serra Azul/Serra das Laranjeiras, local com muitas pedras, rochas exuberantes, árvores frondosas, exóticas, cactus, xerófilas e muitos tanques, aguadas, grutas e algumas lagoas... tem uma Bela Vista...Um por do sol infinito e uma lua cor-de-prata, como no Luar do Sertão de Catulo da Paixão Cearense... Depois morei em Lapão, um local cheio de lendas, tocas, locas, furnas e tanques profundos...lá dizem que tudo é oco e a terra treme de vez em quando...tem um buraco profundo cheio de água, onde acredita-se tenha havido um vulcão na antiguidade...é um lugar de muita mística e profundos mistérios...no tal buraco do Lapão já desapareceu muita gente... raptos por Ovnis? talvez seja uma entrada para o outro mundo, um túnel para outras dimensões...Há quem acredite que por lá habite uma entidade mágica, um orixá, um Deus Sertanejo, Um velho de barbas longas,uma sereia encantada... vai lá se saber...Saber o quê? Que tem algo estranho por lá ...tem e como tem ...
Vânia Diniz - A história de sua vida nessa época?
GD - Ouvia muitas estórias sobre os revoltosos(Coluna Prestes), dos cangaceiros, dos coronéis, jagunços, defuntos, lobisomens, jogadores, caçadores, animais míticos,bichos-de-sete-cabeças e dragões encantados, heróis, pelejas, abcs (sobre Castro Alves, Rui Barbosa, Manoel Quirino, Horácio de Matos, Lampião, Corisco, Volta Seca, Antônio Silvino, Quelé do Pajeú), histórias e causos dos tropeiros, ciganos, andarilhos, viajantes, de loucos, doidos, figurinhas, transeuntes e aventureiros do Sertão, de Antônio Conselheiro e de Canudos, as Lendas sobre Camões e Bocaje, estórias da Literatura de Cordel, do Romanceiro Popular: de Juvenal e o Dragão, do Pavão Misterioso, de Lampião, Corisco, de Carlos Magno e dos Doze Pares da França, de Padre Cícero e Frei Damião, da Imperatriz Porcina, Donzela Teodora, Cidrão e Helena, João Grilo e Pedro Malazartes...fantoches, mamulengeiros, bonequeiros, palhaços, causos e contos populares, histórias de feiticeiros e benzedeiras, da carochinhaa, parlendas, do romãozinho, da Senhora que não se pode dizer o nome, do dito cujo, o inominável, das almas do outro mundo, das lamentações e incelenças dos espíritos das noite do sem-fim,... histórias de onças e macacos, animais fantásticos, João e Maria e tantas outras histórias, de reis e rainhas, impreradores e imperatrizes, duques e duquesas, potentados e fazendeiros...histórias presentes e marcantes do imaginário popular que estiveram presentes em minha pobre e rica infância...
Vivi num universo mágico, meio medieval, onde se acreditava em defuntos, aparições, aparelhos de outros mundos...mundos subterrâneos e invisíveis...
Tinha um céu muito azul de dia e uma noite maravilhosa salpicada de estrelas e uma lua prateada, enigmas, mistérios e assombrações...vi muitas estrelas cadentes e luzes que se movimentavam pelo gigantesco céu do sertão do Caminho de São Tiago, das três marias, das sete estrelas, do magnífico Cruzeiro do Sul, de estrelas-guias, de marias, josés, chicos, antônios, raimundos e severinos perdidos pelos espaços da vida e do sem-fim......

Quando criança vi um cometa gigantesco que circulou o céu por alguns dias...diziam que era o fim do mundo, o apocalipse, essas coisas tão comuns em nosso sertão de nosso senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora Maria Santíssima e do Mestre São Francisco, de São Gabriel e de tantos santas e santos, beatos e beatas...
Ah tinha também as estórias dos dragões, da besta-fera, dos falsos profetas, dos papa-figos, de feiticeiras, bruxas, rezadeiras, parteiras, curadores, rezadores, magos, aleivosias, belas e feras, vozes e luzes perdidas nas noites do infinito e do eterno céu do Ser Tao ...
Vânia Diniz - O que você pensava?
GD - Eu pensava em ser cientista, inventor, astronauta...sempre sonhei em trabalhar com máquinas e equipamentos automáticos, desde menino...Acho que foi influência das leituras bíblicas do Apocalipse, de Ezequiel e de Daniel e principalmente do livro "A Ciência e o Espaço Cósmico" e alguns livros e revistas de ficção científica q quadrinhos...Quando menino cheguei a fazer experiências de enxerto e cruzamentos de cactus com outras plantas e também experiências com cobras e lagartos, calangos, lagartixas, batixós...rsss coisas de menino do sertão e dos feiticeiros...Eu colecionava sucatas de motores de carros velhos, picapes, jeeps, rurais, tratores...tinha um "Carrão de Ferro", a "Máquina de Fazer Graxa" e restos de equipamentos de máquinas de poços artesianos e coisas do tipo... Fui um colecionador de revistas em quadrinhos - gibis e livros de bolso...tinha coleções completas, gibis mil...Assisti a vários filmes dos cinemas ambulantes dos turcos e de Rebolo, que era palhaço, mágico e passava filmes interessantes...filmes diversos, de faroeste, de aventura, Tarzã, Cainã, Apollon Cassidy, O Conde de Monte Cristo, histórias de amor, dramas, filmes religiosos, tinha de tudo ....Era uma figura esse Rebolo...Tinha também o palhaço Pacholinha, os caretas, as folias de reis, as bandeiras de São Benedito e as Festas do Divino, as latadas, os forrós, as lapinhas, as rezas para chover e os roubos dos santos, que só se entregava quando chovia...se chovesse...A chuva é uma longa espera no Sertão, sempre...
Não posso esquecer dos aboios, dos vaqueiros e vaquejadas, dos mutirões e adjutórios nas roças , no plantio e colheita,bata do feijão e do milho...o Umbú, pequena fruta, tão rica e deliciosa...o umbu era uma celebridade entre as frutas da caatinga, tinha também o juá, o icó, a palma e outras frutas silvestres... tinha um pequeno garimpo de cristal que nos encantava com o seu fulgor...
Era um leitor contumaz da Bíblia, dos catecismos, das revistas da escola dominical, do dicionário, revistas e jornais velhos, folhetos...lia tudo o que encontrava pela frente, até bula de remédio, onde aprendi a palavra "dimetilamenofenildimetilpirazolona", na fórmula da cibalena e outras palavras presentes em fórmulas de remédios, compostos e vitaminas....como todo menino, pensei em ser médico...rss...mas o destino me quis poeta, cientista da palavra, pesquisador da língua, de suas derivações, origens, neologismos e vernaculismos ...Sou fui poeta desde que me entendo... tirado a inventar palavras, emboladas, improvisos, repentes...Parece que tudo começou bem cedo lá por volta dos 3 anos, como conta o meu pai e afirmava a minha mãe...tem uma história meio fantástica que contam que eu "chorei" na barriga de minha mãe e lá se diz que quando isso acontece a criança pode se tornar adivinho... E as adivinhas e profecias sempre fizeram parte de minha vida...por coincidência ou não, ganhei o apelido de Amargedom, isto já em Brasília, quando aqui cheguei lá por volta de 1975...fiz um cordel sobre a guerra do Armagedom, Apoclipse 16:16...aí o nome pegou e depois eu comecei a usar como pseudônimo, no Colégio Agrícloa de Brasília, próximo a Planaltina/Morro da Capelinha/Vale do Amanhecer/Pedra Fundamental, nos tempos de Tia Neiva... Depois passei a usar o nome já como estudante de Letras da UnB e o nome pegou e não quer mais sair de mim ....rsss...Amargedom...Amargedom de Shamballah, cante lá que eu canto cá,... como Patativa do Assaré, Cego Aderaldo, Zé de Duquinha/Rota; Zé Limeira,Zé Ramalho, Elomar, Americano, Otacílio e Lourival Batista e tantos outros poetas do Ser Tao...
Vânia Diniz - Como estudou?
GD - Sempre fui muito interessado pelos estudos..., apesar das carências e das poucas oportunidades que se tinha por lá...parece que até hoje é assim ...fiz as primeiras letras no povoado de Recife dos Cardosos, com o professor Dionísio Maia, um místico protestante e carpinteiro...ele carregava uma pedra de cristal, que nos era emprestada para se fazer as reais necessidades...Ah...lá no interior ainda havia a famigerada e temida palmatória, que demorou para ser abolida, o que só veio a ocrrer com a a LDB, no início dos anos 70...A palmatória servia para castigar os rebeldes, quem fazia bagunça, não fazia o dever de casa e desrespeitava o professor...era também utlizada para repreender o aluno que errava nos deveres e exercícios...quem acertava, dava bolo em quem errava...era a pedagogia da opressão, do Ó quadrado, felizmente abolida, mas era a realidade e o que se tinha...Hoje do jeito que a coisa anda, são os alunos que querem "bater" e mandar nos pais e nos professores, excessos de liberalidades provocados pela mídia, pela tv e pelos games eletrônicos... Penei para estudar, andava muito para chegar à escola, era penoso, os professores eram leigos, sábios populares, digamos...Para estudar com a primeira professora formada (Loídes de Thiago), era preciso caminhar 6 km, ou ir de montaria ou de bicicleta, não se tinha o luxo de hoje...hoje os alunos são uns privilegiados...e muitos não sabem aproveitar e reclamam do muito que têm.

Estudei em vários lugares: Recife dos Cardosos, Fazenda Meios, Ibititá, Lapão, Irecê, no período de 1964 a 1975...fiz ABC, as primeiras letras, várias cartilhas, primeira à quarta série, curso preparatório de admissão ao ginásio no Colégio da Fraternidade em Irecê, com as professoras Célia e Zênite, depois estudei na escola/colégio polivalente...Um fato marcante foi que do abc até à admissão sempre tive excelentes notas, sempre entre os primeiros colocados da turma...as médias conseguidas por mim eram sempre acima de 9,0...na quarta-série passei com 9, 7 e na admissão passei com 10...depois acho que fui ficando mais relaxado durante o ginásio, e o colegial e a Universidade, apesar de sempre estar entre os melhores classificados... Depois vi que não tinha necessidade de ser tão CDF e voltei mais para o campo da Literatura e das Artes......
Mas pelo que consta e pela afirmaçao de meus familiares fui alfabetizado por volta dos 3 anos com leitura da Bílbila e de romances da literatura de cordel e das estórias, causos, cantigas, hinos e contos ouvidas todos os dias, à luz do candeeiro e da lamparina...
Vânia Diniz - Já tinha tendências para escrever?
GD - Desde pequeno sou Poeta...improvisava, fazia emboladas e inventava palavras...Brincávamos de falar outras línguas, acho que uma espécie de língua do P sertaneja...A verdade é que sempre criávamos novos termos e palavras diversas... A cultura oral no Sertão é riquíssima, oriunda da cultura medieval lusitana, hispânica, árabe-judaica e provençal, do romanceiro popular, das gestas, do Cordel, das cantorias e repentes e principalmente pelos contos, cantigas, causos e histórias, que se ouvia nas feiras, nas vendas, nos batentes das portas das casas, nas cantorias, nas roças e nas portas das igrejas e nas praças e ruas das pequenas cidades, vilas e lugarejos, roças, fazendas e povoados. A influência para escrever veio do Cordel, da Bíblia, do rádio e da cultura oral negra, indígena,sertaneja e portuguesa... No Nordeste a cultura oral é muito presente e marcante...As leituras também foram fundamentais...leituras biblicas, religiosas, Cordel, Monteiro Lobato, Castro Alves, Dicionário, gramáticas, Rui Barbosa, livros de bolso, revistas em quadrinhos, jornais, revistas em geral e a influência dos professores e professoras e da rica cultura popular do sertão..

Fui auxiliar de biblioteca e Diretor do Clube de Leitura do Colégio Polivalente de Irecê(1972/1975) e orador do Centro Cívico Assis Chateaubriand, na mesma escola...Em 1974 fui responsável pela vitória da sétima série sobre a oitava no Colégio Polivalente de Irecê, quando acertei todas as perguntas feitas na Olimpíada Cultural, fato que ficou marcado na história da escola e da cidade...Tive a alegria de ser carregado e aclamado pelos colegas por 2 km até a minha casa na Rua José Alves de Andrade 277, em Irecê... e recebi o título de ("Campeão do Polivalente) e de "Computador". Foi um gol de letra, um fato marcante em minha vida, ganhei a medalha da Honra ao Mérito" da Secretária de Educação da Bahia e o fato foi noticiado no Jornal de Irecê e caiu na boca do povo...A partir daí comecei a escrever e ler cada vez mais...Sempre com humildade, determinação e força de vontade...Que Deus nos ilumine e nos abençõe...
Todo sertanejo é um contador de estórias...era sempre uma vez....Era uma vez, sempre...eternamente... e sempre será...agora e para todo o sempre...que assim seja...

Gustavo Dourado

 

voltar