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ENTREVISTAS



Entrevista a Vânia Moreira Diniz

Vânia Diniz - Você nasceu no interior da Bahia. Relembrando essa fase hoje que já passou por outros lugares diferentes e mais requintados, quais as lembranças que conserva?
GD - Sim. Nasci no povoado de Recife dos Cardosos, no município de Ibititá - Região de Irecê - Chapada Diamantina Setentrional - Baixo Médio São Francisco. Conservo as melhores recordações de minha infância e do meu passado lá no Ser Tao da Chapada Dia man tina... Sertão da lavoura, dos vaqueiros, do gado, dos garimpos, dos bodes e cabras da peste, dos pássaros enigmáticos. Universo de viajantes e aventureiros pelo vasto mundo dos mistérios e da expressão oral e escrita. Sertão de Conselheiros e de muitos Canudos, cenário dos Sertões de Euclides da Cunha, das Vidas Secas de Graciliano Ramos, da Guerra do Fim do Mundo, de Mário Vargas Llosa, Sertão de Cem Anos de Solidão de Gabriel, de O Quinze, de Rachel de Queiroz; de Além dos Marimbus e de Cascalho, de Herberto Sales e de Terra em Transe, de Glauber Rocha; sem esquecer de Maria Dusá; do Coronel Horácio de Matos de Lençois e de Militão da Barra do Mendes e das Brotas de Macaúbas e das Lavras Diamantinas da Chapada Velha... e do Hermógenes, do Grande Sertão:Veredas, de Rosa...Hermógenes existiu e foi um personagem real concreto que habitou de verdade as pairagens do Sertão da nossa encantada e decantada Chapada Diamantina. Da Bahia às Minas... Sertão dos Revoltosos da Coluna Prestes, dos jagunços e cangaceiros, de Lampião, Corisco, Zé Baiano, Manoel Quirino, Volta Seca, Volta Grande...da mulher rendeira, da asa branca, da triste partida e da feliz chegada...Sertão que meu cor ação habita agora e sempre...sertão de meus sonhos e fantasias, dos devaneios e navegações pelo infinito das estrelas...Conservo na lembrança um tempo mágico inesquecível...uma epopéia poética e fantástica de um menino do interior do Sertão da Chapada Diamantina: Os tanques Velho e Novo, as pequenas lagoas e aguadas...as cacimbas...os canoões, o açude, as lapas e grutas, os caldeirões na rocha. as pedras, arrecifes e os rochedos monumentais...as serras azuis a perder de vista no horizonte do além...os tropeiros, loucos , aventureiros, os carros de boi; os vendedores ambulantes, o circo; feirantes, modistas, aventureiros... As história de defuntos-almas do outro mundo... do lobisomem, de João Cego, de Dona Hilda do Pescoço Torto e da Senhora que não se pode falar o Nome A Pelada...histórias do Romãozinho...As peripécias de Pilão Deitado, de Zé Preto, Zé de Lé e de tantos Zés e Marias... ah os ciganos errantes e as belas ciganas, as jogadoras de cartas, de tarô e as leitoras de mãos... Os tanques...A venda, empório que abastece os pequenos lugarejos, arraiais e vilas perdidas na imendidão sertaneja...são tantas as lembranças que daria alguns causos, contos e romances...quem sabe um dia? Talvez eu memo posso escrever algo..Um dia desses...
Vânia Diniz - Seus pais estimularam o amor a genealogia, ou nasceu de seu próprio estudo e curiosidade?
GD - Sempre houve uma tradição genealógica que me foi transmitida pelos meus antepassados de ambos os lados. Há um forte laço de consangüinidade entre os meus familiares.Além de um culto às raízes, às tradições e aos antepassados, suas gestas, feitos, lutas e epopéias... Tenho origem nos antigos bandeirantes da Bahia(Gabriel Soares de Souza; Melchior Dias Moréia; Matias Cardoso de Almeida, Matias Cardoso;Mateus Nunes Dourado)) das Minas, de São Paulo e de Portugal, que alcançaram os sertões de Jacobina, do Morro do Chapéu, do Gentio do Ouro, das Lavras Diamantinas, da Chapada Velha e da Nova América/América Dourada/Rochedo/Lapão (Irecê), em busca do ouro e das pedras preciosas e também influenciados pelo ciclo do gado e pelo desbravamento e conquista do Rio São Francisco e de seus vários afluentes(Verde;Jacaré;) ... Os Dourados sempre estiveram ligados ao ouro, desde tempos imemoriais lá pelas bandas do Rio Douro, do Porto e muito antes, com os Douros, os Dórons e os Celtas da Idade Antiga e da Europa medieval. Houve um estímulo natural da família(pai, mãe, tios, primos,parentes e avós) e e também a pesquisa, a curiosidade e muito estudo.Além da Bíblia que é um tratado de Genealogia e epopéias, principalmente o Pentateuco e os livros do Velho Testamento e a Bíblia foi o meu livro de cabeceira na infância e na adolescência e ainda hoje o é. Recebi influências de alguns genealogistas da Família: Roldão e Sebastião Dourado, quando morei na cidade de Irecê, a nossa amada Terra do Feijão. Também fui influenciado por Maria de Messias de Castro Marques Dourado;Anália França Dourado; Dalila de Castro Dourado e por João Cardoso,Tolentino e João Azevedo Dourado, além de Ulisses Marques Dourado(Pai) e Edelzuíta de Castro Dourado(Mãe) e pela marcante cultura oral do interior.
Vânia Diniz - Acha que um ambiente agreste pode ter mexido com sua imaginação e um mundo de fantasia facilitando seu dom natural?
GD - Sim...e como...muito mesmo. O sertão é uma fantasia permanente. Uma ilusão real como um oásis no meio do deserto. Em nós sertanejos habitam desertos repletos de oásis e estrelas vadias. O sertão nos inspira com a Caatinga, as cantigas, as procissões, as fogueiras, os pássaros e animais, os vaqueiros;as lendas,as inscrições rupestres, os répteis e cobras; os rasos, os groseiros, os lajedos, os mandacarus, os xique-xiques, cabeças-de-frade, os caroás, as juremas, os mulungus, as barrigudas, as palmas, os quiabentos, as faveleiras, os icós, ingás, os juazeiros e os umbuzeiros...o umbuzeiro é uma entidade no meio da caatinga. Ele prolonga a vida dos sertanejos. As dificuldades nos impostas pela natureza fazem do sertanejo um ser duro, seco, esquálido, resistente, mas de alma gigantesca e fraterna. O Sertanejo é antes de tudo um Forte, como disse o mestre Euclides da Cunha. A vida no sertão é drástica, difícil, caótica. Mas tem momentos de grandiosidade, de romance, de novela e de alegria...somos personagens de contos e causos a cada rancho, choupanas, casebres e pequenas roças e fazendas. A roça é uma extensão da casa e de quase tudo. É na roça que o homem do sertão se realiza. O Sertão é um dom natural, uma fantasia que nos encanta por toda a vida...lá se diz: Aqui é a terra onde pouco chove, mas o mato é verde...por isso as ilusões da seca verde. São provocados pela riqueza do solo e pelos aqüíferos e rios subterrâneos que precisam ser melhor aproveitados para a irrigação da lavoura e para facilitar a realização dos afazeres do cotidiano e mudar a vida agreste que se leva, sem assistência, sem governo, sem Estado.
Vânia Diniz - Algum fato ali já o ligava à literatura? E por que?
GD - Tudo...praticamente tudo...O Sertão é uma gesta, uma epopéia permanente. A literatura oral está na alma e no convívio das pessoa no dia-a-dia. Há os causos, contos e histórias incríveis, fantásticas, maravilhosas e muitas histórias reais, tristes e difíceis de acreditar.Convivi no meio de contadores de histórias, autênticos cronistas, contistas, narradores e romancistas. Quase todos os sertanejos tem uma história para contar.A aventura faz parte de nossa lida.O sertão é pura literatura...é um grande romance que quer ser decifrado e compreendido... e que já o foi em parte por nomes como Luiz Gonzaga; Zé Ramalho; Graciliano Ramos; José Lins do Rego; José de Alencar;Guimarães Rosa;Valfrido Moraes; Américo Chagas; Afrânio Peixoto; Lindolfo Rocha; Herberto Sales; Jorge Amado; Adonias Filho; Bernardo Élis; Domingos Olímpio; José Américo de Almeida; Raquel de Queiroz; Franklin Távora; Dias Gomes; Patativa do Assaré; Raul Seixas, entre tantos outros....
Vânia Diniz - Escrevia desde a infância? E o que realmente o motivou?
GD - Sim...a própria vida que se vive em nosso Sertão do Deus Dará... e muita leitura e observação dos fatos e acontecidos.Desde que me entendo já tinha a mania de escrever e de inventar palavras e frases. Comecei com a Poesia Oral. A literatura verbal, as adivinhas, as parlendas, causos e contos, que por lá se chama história. Prestava atenção no que falava os mais velhos, os familiares e os transeuntes. Tive muitos motivos para escrever e improvisar. Os encontros na Venda, nos tanques, nas roças, nas feiras dos povoados, nas casas de família. As histórias de reis e rainhas e dos seres mitólogicos e dos bandos de jagunços e cangaceiros. É forte a presença da passagem dos "Mandiocas e Mosquitos"; da Coluna Prestes, de Horácio de Matos, Militão,Vítor, Zé Matias, Hermógens, Eusébio e Manoel Quirino, de Lampião, Corisco, Volta Grande, Volta Seca, Labareda e de tantos outros líderes e chefes de bandos. A lei era feita à base da faca, do punhal, da cartucheira, da espingarda, do parabellum, da repetição e da palavra... A palavra sempre foi a principal arma. A palavra por lá era uma entidade...hoje tudo está meio mudado com a tal da televisão, da Internet e de tantos modernismos e novidades.
Vânia Diniz - Quais os escritores que marcaram sua vida literária.?
GD – Foram e são tantos. Em primeiro lugar (num momento inicial), os autores populares, contadores de historias e cultores da Literatura Oral e da Literatura de Cordel. o Poeta Castro Alves; Jorge Amado; Graciliano Ramos; Euclides da Cunha; Raquel de Queirós; Monteiro Lobato; Ruy Barbosa; Charles Dickens; José de Alencar; Ellen White; John Bunnyan; David Wilkerson; Os cordelistas e cantadores repentistas: Zé de Duquinha e Rota,, os Irmãos Bandeiras; os Irmãos Batistas;os autores bíblicos: São João do Apocalipse; Daniel; Moisés; Ezequiel; Salmos e Provérbios; livros religiosos e evangélicos; Erich Von Daniken; Colunas do Caráter; Nutrição e Vigor; Então Virá o Fim; A Ciência e o Espaço Cósmico; As Plantas Curam; os catecismos; os folhetos de cordel/ABCS; as cartilhas; livros de admissão ao Ginásio; o Burrinho Pedrês; o Flautista de Hamelin; os escritores e artistas ambulantes... livros de bolso, revistas em quadrinhos; Flash Gordon; livros de ficção científica; revistas Planeta e Veja. Enciclopédias Rumo à Cultura; Delta La Rousse; Conhecer; Life; Time; Tecnirama; Dicionários; Coleção Livro Eletrônico; Livros de Estudos Sociais; História;Geografia; Português e Literatura em geral. É preciso destacar a presença determinante do Rádio. Rádio Tupi; Globo; Sociedade da Bahia; Sociedade de Feira de Santana; Rádio Clube de Pernambuco; Jovem Pan; El Dorado; Excelsior; Mundial. Rádios estrangeiras e um pouco da televisão de 1972 a 1975. Autores e livros que me influenciaram ainda na Bahia, até 1975. É preciso destacar que de 1972 a 1975 trabalhei como auxiliar de biblioteca na Escola Polivalente de Irecê, onde li muitos livros e fui Diretor do Clube de Leitura. Participei do Clube de Ciências e fui Diretor e Orador do Grêmio Estudantil Assis Chateaubriand. Recebi também a influência dos irmãos Altamirando e Carlos Augusto Macedo; do bibliotecários Clélio e Neurizete; dos professores Luiz Antônio; João Almeida; Margareth; Luís Antônio; Luís Orlando, Augustos; Lauro Galvão Dourado e de Lauro Adolfo Dourado, à época, intelectuais da Região.

Num segundo momento, já em Brasília, a partir de 22 de dezembro de 1975 até 1985 tive uma fase de muita leitura. No Colégio Agrícola de Brasília onde estudei e residi de 1976 a 1978, tive a oportunidade de conhecer melhor novos autores como Machado de Assis; autores russos, franceses e americanos: Reich; Freud; Gibran; Carlos Drummond de Andrade;Autran Dourado; Michel Quoist; Lobsang Rampa; Alan Kardec; Chico Xavier; Émile Coué; Henry Charriére; Robert Charroux, vários autores estrangeiros e outros diversos.

A minha fase áurea de leitura foi na UnB, de 1979 a 1985, onde li centenas de autores, por recomendação dos professores Cassiano Nunes; Maria de Jesus Evangelista; João Ferreira; Aglaeda Facó; Oswaldino Marques; Yves Challout; Danilo Lobo; Diana Bernardes; Antônio Salles; Luiz Piva; Domingos Carvalho da Silva; Lílian Zamboni; Sérgio Waldeck de Carvalho; Antônio Barros; Stella Bortoni; Júlio Melatti; Lúcio Castelo Branco; Angélica Madeira; Venício Lima; Manoel Vilela; Climério Ferreira; Fernando Correia Dias; Luís Tarlei de Aragão; Eudoro de Sousa; Guillermo Termenon de Sollis; Celestino Pires, Ronaldes de Mello e Souza, entre tantos outros mestres. Li os clássicos da Literatura Mundial e os livros fundamentais da Literatura Brasileira e da Literatura Latino - Americana. Tive a oportunidade de participar dos Encontros Internacionais da UnB; dos Encontros Nacionais de Escritores e de vários seminários, simpósios e debates literários. Em 1980 conheci Ferreira Gullar; Paulo Freire; Luís Inácio Lula da Silva; Fernando Henrique Cardoso; Ignácio de Loyola Brandão; Márcio Souza; Roberto Schwartz; Jorge Mautner; Pompeu de Souza; Fernando Gabeira, Florestan Fernandes, Antônio Houaiss, José Paulo Neto, Paulo Leminski, no meu período de militância estudantil na UNE, no Centro Acadêmico de Letras e no Diretório Central de Estudantes. Tive a oportunidade de conhecer e dialogar com Jorge Amado; Umberto Eco; Octávio Paz; Mário Vargas Llosa, Cora Coralina; Bernardo Élis; Gianfrancesco Guernieri; Gilberto Gil; Haroldo e Augusto de Campos; Antônio Callado; João Antônio; Caetano Veloso; Tom Zé; Cristovam Buarque; Ziraldo; Francisco Alvim; Plínio Marcos; Orlando Tejo; Ivanildo Vila Nova; Machado Nordestino; Sebastião Nunes Batista; Raul Seixas; Zé Ramalho; José Celso Martinez Correia; Itamar Assunção; Arrigo Barnabé; Affonso Romano de Sant'Anna; Márcia Macedo; Darcy Ribeiro; Paulo Mendes Campos; JJ Veiga; Mário Chammie; Mário Quintana; Renato Russo; Vladimir Carvalho e Sílvio Tendler. A Biblioteca da UnB era de bom nível e tive a oportunidade de ler bastante, pois era residente no Centro Olímpico da Universidade - Alojamento Estudantil, relativamente próximo à Bilioteca Central. Praticamente li de tudo na UnB. De Marx a James Joyce; de Mário a Oswald de Andrade; os Modernistas e os contemporâneos de todas as tendências. Na UnB tive uma boa participação no Movimento Estudantil. Fui Delegado da UNE; do DCE e Diretor criador do CALEL - Centro Acadêmico de Letras, com Sâmia Kouzak e Maria do Rosário Caetano.A minha maior participação foi no Movimento Cultural com performances; recitais de poesias; eventos literários e culturais; As Semanas Culturais como a Expoarte 6; 7 e 8; o Show do Arroto; o Flimpo; o Cuca - Movimento Candango de Dinamização da Cultura; O Movimento pela Anistia Política e pela Autonomia de Brasília, com Pompeu de Souza e Maurício Correia...
Vânia Diniz - Quando sentiu que seria realmente um escritor houve algum fato que o predispôs a isso?
GD – Senti que seria Escritor quando observei as estrelas do magnífico céu do Sertão e percebi a grandeza da sua gente...Quando senti as dificuldades vividas pelo povo e o sofrimento imposto pelo descaso das autoridades e do Estado autocrático e discriminatório...Aí vi e senti que teria de escrever algo para denunciar tantas arbitrariedades e mentiras impostas pelos poderosos...Ao constatar que apesar de tanta riqueza, a distribuiçao de renda é muito concentrada nas mãos de poucos, fato que provoca a injustiça e a miséria tão presente em nosso País...Até quando?
Vânia Diniz - Você é autor de nove livros.No primeiro que publicou poderia falar como foi esse processo de elaboração e a sensação quando viu o livro em suas mãos?
GD – Quase morri de emoção...Foi um momento mágico. Tentei por vários anos publicar o primeiro livro e sempre era barrado pelas dificuldades ou pela má fé de alguns pretensos editores. O livro é como se fosse um filho, um pedaço de nossa alma.

Meu processo de criação é amplo é complexo às vezes simples...quando cordelo, elaboro a linguagem da poesia viva, da poesia oral, presente na criatividade de nosso povo...o cordel é poesia pura, tem do mais simples até o mais elaborado...é uma linguagem riquíssima que influenciou grande escritores e artistas como Zé Ramalho, Gláuber Rocha, Raul Seixas, Chico Science, Jorge Amado e Guimarães Rosa... Em mim o cordel vem do berço, de nascença... aprendi a ler em cordel ouvindo os cantadores repentistas, aboiadores, emboladores, coquistas, trovadores, contadores de história... Convivi muito com pernambucanos, alagoanos, paraibanos e nordestinos em geral, lá nos primórdios de minha infância. Meu pai foi lavra.dor de dia e dono de venda à noite e nos fins de semana...sempre ouvia causos e cantos, contos, loas, aboios, lendas, estórias da carochinha...o sertão é repleto de histórias, mistérios e superstições. É riquíssimo o misticismo da caatinga e do cerrado. Misturei a mística da Chapada Diamantina e do Rio São Francisco, com a magia e a modernidade do Planalto Central, a inovação construtiva e arquitetônica de Brasília. Aqui, convivo com artistas de todas as tendência e matizes. Busca-se uma nova arte que sintetise a vertente sertaneja com a pós-moderna...Creio que Phalábora seja um pouco dessa mistura entre o erudito e o popular, entre o concreto e o abstrato, com pinceladas do místico e doses do dialético...A minha criação dá-se no cotidiano, é flexível e variável, sou um matuto com trejeito de intelectual, trans-piro com a palavra, respiro o verso a cada instante, leio sempre, admiro (a)os mestres da linguagem, Machado, Graciliano, Pessoa, Joyce e Guimarães Rosa, por excelência. Tem também o lado bíblico, apocalítico, profético, glauberiano, proveniente do misticismo sertanejo e ecológico do Cerrado e da Magia da Chapada Diamantina e do Planalto candango. Meu misticismo é cósmico, vai de Apocalipse, Padre Cícero, Frei Damião, Lampião, Antônio Conselheiro até Tia Neiva, Yokannam, Pietro Ubaldi, General Uchôa, São Francisco de Assis, Chico Xavier, Vedas, Mahabarata, Aknaton, Plêiades, Tutankamon, Ybez, Fawcett, até o universo dos governantes invisíveis, do misterioso desconhecido, dos mistérios da umbanda, dos orixás, dos xamãs e pajés, até à sabedoria iniciatica das idades, da teosofia, Teurgia, Eubiose, da cabala/caabala, dos povos antigos, dos incas, dos egípcios e dos maias...Sou um espiritualista com os pés no chão. Um pan-materialista trans dial ético nas estrelas e no cosmos...sem esquecer a realidade do dia-a-dia e da noite - a - noite de nossa sagrada Poesia de cada momento...
Vânia Diniz - A literatura é primordial para você ou a pratica para exteriorizar suas inspirações e talento?
GD – É primordial...é tudo...é minha vida...minha alma...Com a literatura exteriorizo o meu sentimento e as minhas emoções. Literatura é uma mistura de talento, inspiração e muita transpiração, muito esforço pessoal e bastante suor derramado, além de leitura constante e atualização permanente.
Vânia Diniz - Como escritor, professor de português e literatura o que acha da educação em nosso país e o que deveria ser feito para que conseguíssemos definições?
GD – A Educação no Brail precisa ser prioridade, como é prioridade a dependência ao FMI e o desmonte do patrimônio público e a entrega de nossas riquezas por moedas podres e a preço de banana...Sem educação de qualidade seremos uma eterna província dependente dos países ricos, dos organismos e empresas internacionais... Mais investimento e amor à camisa... à causa do saber . Precisamos de um exército de Paulos Freires, Anísios Teixeiras e Darcys Ribeiros para lutarem pela Educação e pela Cultura.. É preciso priorizar a educação em todos os níveis e democratizar as oportunidades. Livros e estudo gratuito para todos. Construir escolas e bibliotecas públicas de qualidade em todos os municípios brasileiros. Menos enrolação e mais verba para a educação...parodiando o movimento estudantil.É preciso uma força-tarefa atuante em todos os municípios brasileiros para acabar com a chaga do analfabetismo que atravanca o nosso País...Urge.
Vânia Diniz - As figuras de Lampião e o cangaço no Brasil são descritas por Gustavo Dourado com sabedoria. O que o levou a escrever sobre o assunto de forma tão abrangente?
GD – A realidade em que se vive. As contradições do meio...As injustiças que se cometem sobre o assunto, principalmente sobre Lampião, que foi um grande bandido e ao mesmo tempo foi poeta e contestador.Tornou-se uma lenda , um herói...um anti-herói...um personagem da poesia, do folclore, do romance e da literatura de cordel. Lampião nasceu das contradições do sistema oligárquico e das mazelas do latifúndio. Precisamos de um Lampião para por o FMI e os opressores na Roda...Viva Lampião...
O rei do cangaço

Lampião nasceu das contradições e conflitos da terra, da violência do campo imposta pelos coronéis latifundiários, políticos corruptos e do clero aliado da aristocracia sertaneja e da burguesia litorânea. Eternizou-se como mito da cultura popular. Virou lenda no Brasil de Sul a Norte, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Influenciou a música popular nordestina. Apimentou os acordes de Luiz Gonzaga e de centenas de sanfoneiros, violeiros, repentistas e cordelistas. Seu sangue corre nas veias do xaxado (dança dos gangaceiros), no xote, no baião e no forró.
“É Lamp, é Lamp, é Lamp. É Lamp é Lampião. Seu nome é Virgulino, o apelido é Lampião”. Este é o hino consagrado ao rei do cangaço pelo Brasil. Um canto que eclode nas caatingas, no agreste, no Raso da Catarina, na Serra do Apodi, nos cariris, Serra Talhada, tabuleiros, lugares por onde passou o célebre cangaceiro.
Virgulino Ferreira da Silva nasceu em Vila Bela, atual Serra Talhada – alto sertão pernambucano – no ano de 1897. Ano trágico do massacre de Canudos, onde foram assassinados milhares de camponeses. Da estirpe de Antônio Conselheiro, o famoso beato e líder político-religioso que inspirou Os Sertões, obra-prima de Euclides da Cunha, Lampião foi cangaceiro, uma categoria acima de jagunço. Com ele, muitos jagunços – vassalos dos coronéis – ascenderam à posição de cangaceiro que era símbolo de independência e individualidade. O soldo do cangaceiro dependia do que se conseguia em saques, sequestros, assaltos a fazendas e cidades. Lampião era generoso e bom pagador. Franqueava aos cabras do bando ações individuais que rendiam alguma remuneração.
O reino de Lampião durou de 1914 a 1938. Atraiu muitos jagunços e coiteiros de todo o Nordeste numa época crítica, sem muitas opções de trabalho. Calcula-se que seu grupo tinha em torno de 120 membros.
Lampião viveu todos os conflitos de seu tempo quando o sítio de seu pai, José Ferreira, em Vila Bela, foi invadido pelo fazendeiro João Nogueira e seus capangas. Invadiram as terras dos Ferreiras, cortaram orelhas dos animais. Fizeram emboscadas e trapaças, em 1911. Os Ferreiras fugiram para um sítio no interior de Alagoas e se desentenderam com o subdelegado da região que invadiu o local e matou o pai de Lampião.
Aos 23 anos, após o assassinato do pai, Lampião tornou-se cangaceiro. Levou consigo os irmãos Ezequiel, Antônio e Livino. O apelido de Lampião foi dado pelos homens do bando de Sinhô Pereira que iniciou o jovem Virgulino no cangaço. Reza a lenda que Virgulino atirava muito bem e que o seu fuzil parecia iluminado. Atribui-se a ele a frase: “Meu fuzil não nega fogo”. A frase foi retrucada por outro cangaceiro que disse: Então não é fuzil, é lampião”. O apelido pegou e virou mito no sertão de Deus-dará. Lampião herdou o comando do bando de Sinhô Pereira aos 25 anos. A partir de 1926 algumas mulheres foram incorporadas ao bando. Lampião conheceu Maria Bonita em 1929, então mulher de um sapateiro. Fez a corte à bela Maria que abandonou o marido e optou pelo cangaço.
A caçada a Lampião e seu bando terminou no dia 12 de agosto de 1938. O cangaceiro foi morto aos 40 anos, a 3 quilômetros do Rio São Francisco, na grota da fazenda Angico. Época em que o rei do cangaço estava distraído, preocupado com a sua Maria Bonita que vivia o drama da tuberculose. A tropa do tenente João Bezerra recebeu o serviço do coiteiro de Lampião Pedro de Cândido que, segundo consta, teria levado bebida envenenada para os cangaceiros. Não houve luta. Os homens estavam bêbados e dormentes. Onze cangaceiros foram mortos, incluindo Lampião e Maria Bonita. Vinte e quatro cangaceiros fugiram pelo sertão. Acabou-se, aí, o reinado de Lampião. Mas a lenda continua.
Vânia Diniz - Você é um mestre em cordel. Acha que essa categoria expressa a verdadeira riqueza de nosso povo?
GD – Muito. o Cordel é a alma da Poesia do Nordeste e do Sertão. Influenciou os principais autores da Literatura Brasileira. Autores como Ariano Suassuna; Castro Alves; Jorge Amado; Luís da Câmara Cascudo; Mário de Andrade; Graciliano Ramos; José de Alencar; José Lins do Rego; Rachel de Queiroz; Guimarães Rosa; Orígenes Lessa; Monteiro Lobato; Hermilo Borba Filho; Hermínio Bello de Carvalho; José Américo de Almeida; Franklin Távora; Ascenço Ferreira; Cora Coralina; Bernardo Élis; Manuel Bandeira; João Cabral de Melo Neto; Mário Lago; Marcus Accioly; Antônio Callado; João Antônio; Dias Gomes; Carlos Drummond de Andrade; Orlando Tejo; Vânia Diniz; Luiz Alberto Machado; Soares Feitosa; Franklin Machado; Paulo Dantas; José Condé; Glauber Rocha e artistas como Raul Seixas; Luís Gonzaga; Zé Ramalho; Ednardo; Belchior; Alceu Valença; Quinteto Violado; Chico Science; Chico Cézar; Raízes; Miran; Nando Cordel; Zeca Baleiro; Fagner; Elba Ramalho; Geraldo Azevedo; Tom Zé; Caetano Veloso; Gilberto Gil; Geraldo Vandré; Chico Buarque; Téo Azevedo; Elomar; Xangai; Décio Marques; Americano;Jorge Mello; Elba Ramalho; Amelinha; Catulo da Paixão Cearense e tantos outros. Nomes importantes estudaram o cordel como Raymond Cantel e Silvie Raynal, da Sorbonne; Mark Curran, da Universidade do Arizona; Joseph Luyten e no Brasil nomes como Luís da Câmara Cascudo; Leonardo Mota, Cavalcanti Proença; Manuel Diegues Júnior; Jerusa Pires Ferreira, Sebastião Nunes Batista e Adriano da Gama Khoury...Transcrevo aqui um breve artigo que fiz sobre a Literatura de Cordel:
Literatura de Cordel

A Literatura de Cordel, mais que centenária... tem suas origens ocidentais e pré-medievais no universo poético de Provença, França, e ganhou estatura poética com os trovadores provençais albigens(com destaque para Arnaud Daniel e Rimbaud Daurenga).
As influências são multidiversas: desde a poesia árabe, mediterrânea, hindu e persa à poética egípcio-hebréia- greco-latina e afro - indígena...

Entretanto, a Poesia de Cordel tem a sua força na expressão ibero-lusitana - brasilíndia - nordestina e galego-castelã...
Foi na Espanha e em Portugal, que a poesia de cordel ganhou feição e essência literária.

É na poesia cavalheiresca e trovadoresca que o cordel se inicia de forma pungente e pujante, pricipalmente a partir dos 12 pares da França, de El Cid, O Campeador e da obra monumental de Camões, Gil Vicente e Cervantes, ambos influenciados por Dante Alighieri.
Os reis trovadores Dom Diniz e Dom Duarte foram os nossos mais destacados precursores ibéricos.
A Literatura de Cordel foi enriquecida pela criatividade e maestria de Gil Vicente, Camões, Gregório de Matos, Bocaje, Castro Alves, Rabelais, Cervantes, Catulo da Paixão Cearense, Ascenso Ferreira, Juvenal Galeno e dos mestres e pesquisadores da cultura popular: Leonardo Mota, Luiz da Câmara Cascudo, Ariano Suassuna, Cavalcanti Proença, Jorge Amado, Glauber Rocha, João Cabral de Melo Neto, Rachel de Queiroz, José Américo de Almeida, Manuel Diegues Júnior, Sebastião Nunes Batista, Sílvio Romero,Vicente Salles, Téo Azevedo, Orígenes Lessa, Mário Lago, Jerusa Pires Ferreira, Joseph Luyten, Mark Curran, Silvie Raynal, Raymond Cantel, Zé Ramalho e tantos outros nomes de destaque.
No Brasil, o cordel ganhou estatura poética no Nordeste do Brasil, pelas bandas do Sertão do Cariri, do Pajeú, da Serra do Teixeira, Campina Grande, João Pessoa, Caruaru, Juazeiro do Norte, Crato, Recife, Fortaleza, Salvador, Serra Talhada, Mossoró, Caicó, Paulo Afonso, Feira de Santana, Juazeiro, Petrolina, Irecê, Chapada do Apodi, Serra da Borborema, Chapada Diamantina, Rio, São Paulo, Brasília, Ceilândia e pela vastidão dos lugarejos, arraiais, vilas e cidadelas da caatinga e do agreste, com os vates - poetas Leandro Gomes de Barros, Rodolfo Coelho Cavalcante, Francisco Chagas Batista, Francisco Sales Areda, Manoel Camilo dos Santos, Minelvino Francisco da Silva, Caetano Cosme da Silva, João Melquíades Ferreira da Silva, José Camelo de Rezende,Teodoro Ferraz da Câmara, João Ferereira de Lima, José Pacheco, Severino Gonçalves de Oliveira, Galdino Silva, João de Cristo Rei, João Ferreira de Lima, Antônio Batista, Laurindo Gomes Maciel, Manuel Pereira Sobrinho, Antônio Eugênio da Silva, Augusto Laurindo Alves( Cotinguiba), Moisé Matias de Moura, Pacífico Pacato Cordeiro Manso, José Bernardo da Silva, Cuíca de Santo Amaro e João Martins de Athaide, Francisco Gustavo de Castro Dourado,João Lucas Evangelista, Zé de Duquinha, Audifax Rios e Rubênio Marcelo, entre outros nomes significativos do passado e da atualidade, dentre tantos baluartes da Poesia Popular e do Romanceiro do Cordel..
Convém ressaltar figuras de destaque, mistura de cordelistas e cantadores como o Cego Aderaldo; Zé Limeira, lendário Poeta do Absurdo, de Orlando Tejo e Patativa do Assaré, da Triste Partida, Zé da Luz, Raimundo Santa Helena e Franklin Machado Nordestino. Além de centenas de cordelistas que divulgam os seus trabalhos na Internet. Temos até uma Academia Brasileira de Literatura de Cordel.
O cordel continua e sobrevive, apesar das idiossincrasias, intempéries e dificuldades e das antropofagias e pilantropias da Indústria cultural midiática e globalizante...
São imprescindíveis a abertura de espaços e fóruns de discussão e de publicação de textos de cordel, de autores tradicionais e contemporâneos para dinamização do movimento da Poesia Popular Universal...A Internet é um espaço primordial...Que viva a Literatura de Cordel...
Vânia Diniz - Gustavo, Obrigada pela brilhante entrevista.
GD – Vânia Diniz

Mulher múltipla, escritora filósofa e jornalista ....

Nome de destaque na Internet e no campo das Artes e da Literatura...

Agradeço a oportunidade de responder a tão importante Entrevista ...

Fraternalmente,
Gustavo Dourado

 

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