Função
Social da Escola
(por Nilson Matos Pereira - nilsonmatosp@brturbo.com)
Desde 1983, participo, ativamente,
do Magistério catarinense, cujo sindicato é filiado à CNTE (Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação) e à CUT (Central Única
dos Trabalhadores). Juntamente com o SINTE (Sindicato dos Trabalhadores
em Educação), são instituições dirigidas por petistas. Como coordenador
ou Conselheiro, na Microrregião do Vale do Araranguá, denunciei
as conseqüências do projeto neoliberal, iniciado, no Brasil, em
1991, pelo governo Collor. Dizia que, se o Magistério não se mobilizasse,
iria perder significativas conquistas da década anterior, como
o direito à aposentadoria especial (25 anos por tempo de serviço).
Haveria redução do índice de promoção financeira, congelamento
dos salários, achatamento da tabela de vencimentos e aumento do
número de dias letivos. Os que não tivessem curso superior, alertava,
deveriam fazê-lo para que não fossem expurgados do Plano de Cargos
e Salár ios. Além disso, teria início o processo de privatização
das empresas estatais, bem como da municipalização do ensino,
em um primeiro estágio. A justificativa estava centrada na falsa
argumentação de que a escola pública já tinha cumprido sua função
social.
Esse processo de desmonte, em Santa Catarina, iniciou no governo
de Wilson Kleinubing (PFL). Por esse motivo, o Magistério deflagrou,
em 1991, primeiro ano de mandato, a maior e mais longa greve de
sua história. Durou 67 dias e foi fundamental, conforme constatei,
pois era um deles, a efetiva participação dos diretores eleitos
no ano anterior. Muitos diretores foram exonerados do cargo e
até nos ameaçaram com inquérito administrativo.
Foi a última mobilização expressiva do Magistério catarinense.
Desde então, todas as previsões apresentadas se consumaram, acrescidas
do aumento da idade e da contribuição financeir a para a conquista
da aposentadoria.
O que está sendo mais difícil de implementar é o projeto de prefeiturização,
motivo pelo qual criaram o FUNDEF (Fundo de valorização dos professores),
retirando 15% dos 25% de recursos financeiros que um município
tem destinado à Educação. Foi a fórmula encontrada para conseguir
a adesão dos prefeitos, o que ocorreu em diversos municípios com
pouca mobilização ou fraca resistência do SINTE.
Por outro lado, os professores cursaram faculdade e muitos fizeram
pós-graduação e mestrado. Por paradoxal que seja, aumentaram os
problemas do processo ensino-aprendizagem, com uma crise sem precedentes
que permanece na ordem do dia. A culpa é colocada nos profissionais
do ensino, bodes expiatórios do projeto neoliberal.
A passagem de Cristóvão Buarque pelo Ministério da Educação não
mod if icou a situação existente. Tampouco o governo estadual
do PMDB que prega a inovação, com a criação das Secretarias de
Desenvolvimento Regional e a criação da GEREI (Gerência Regional
de Educação e Inovação).
Defendo a tese de que a escola
é aparelho ideológico do Estado, comungando com Althusser, de
modo que o problema crucial está na sua estrutura organizativa,
criada pela concepção capitalista de sociedade. Assim, a escola
reproduz os conhecimentos e valores com elevado cunho ideológico,
de modo que sua implementação e reformas sempre estiveram a reboque
da economia. Tem o mesmo efeito da estrutura dos países socialistas
ou comunistas. Como conseqüência, sem romper com sua estrutura,
a escola permanecerá dinossáurica (Rubem Alves), pois qualquer
experiência inovadora tenderá ao fracasso. Exemplo concreto e
atual está na implementação da escola com tempo integral. Embora
exija projetos específicos (como ocorre no bairro Urussanguinha),
a razão principal não é a melhora da qualidade pedagógica (exigiria
outras providências), mas pressupostos econômicos. Assenta-se
na idéia de que a escola deve ficar mais um turno com os alunos,
servindo como depósito de crianças, enquanto pai e mãe trabalham.
As teorias cognitivas que avançaram, significativamente, propondo
reformas estruturais (e não conjunturais, a reboque do mercado)
são solenemente ignoradas pelas autoridades educacionais e governantes
que comungam com os princípios neoliberais. Sem esperança, em
termos de valorização financeira e redução da carga horária massacrante,
incluindo dupla jornada de trabalho, notadamente para o sexo feminino,
os profissionais da educação sofrem da síndrome do burnout. Trata-se
de uma doença com sintomas de estafa, frustração e desesperança,
diante do não surgimento de bons resultados pedagógicos. É que
as salas de aula, com número excessivo de a lunos, exigem um ato
pedagógico massificado, como se os estudantes não fossem diferentes
uns dos outros (em todos os sentidos) e necessitassem de atendimento
individualizado.
Língua Nacional e Matemática continuam sendo consideradas as duas
disciplinas mais importantes e responsáveis pelos maiores índices
de reprovação e evasão escolar. Artes e Educação Física são componentes
curriculares desprestigiados. Todavia, em termos de sucesso profissional,
ser atleta ou artista é o sonho de milhões e milhões de crianças
e adolescentes que estão na escola. Esta, desprovida de boas bibliotecas,
laboratórios, material didático prazeroso e espaço físico adequado,
não oferecem as mínimas condições para que os alunos desenvolvam
suas características específicas que não são, apenas, lingüísticas
e lógico-matemáticas, visto que o cérebro comanda potencialidades
diversificadas (Gardner). Assim sendo, a escola poda, ao invés
de incentivar, o surgimento de talentos, como no passado ocorreu
com diversos gênios da humanidade.
O conceito de inteligência necessita ser revisto, pois expressa
idéia de única e geral. Há que se ampliar seu campo de ação, porque
a capacidade talentosa pode ser conseguida com exercícios dirigidos,
como acontece com jogadores de futebol, atores, compositores,
cantores e cientistas de todas as áreas de conhecimento. Qual
a contribuição brasileira, em termos mundiais, em setores tidos
como cognitivos? Quantos cidadãos conseguiram destaque, por mais
que as escolas tenham investido nas capacidades lingüísticas e
lógico-matemáticas, ciências naturais e biológicas, química, física
e economia?
Todavia, os campos de futebol criaram gênios e a música contribuiu
com uma plêiade de artistas; as novelas são reproduzidas em diversos
países e o cinema é candidato ao Oscar. Por que, nesses s etores,
os talentos brasileiros não são considerados cognitivos ou inteligentes,
a escola não se preocupa em desenvolvê-los. Excelente aluno é
aquele que tira dez em Português ou Matemática e não em Arte ou
Educação Física. Aprender a ler, escrever e fazer contas aritméticas
é o que mais identifica as séries iniciais do Ensino Fundamental
(Primeira à oitava série). No entanto, para ser atleta, compositor,
músico ou enxadrista excepcional não há necessidade de tais estudos
ou conhecimentos lingüísticos ou lógico-matemáticos, segundo a
Teoria das Inteligências Múltiplas.
Na verdade, os alunos não gostam de freqüentar a escola porque
não é um espaço prazeroso e tudo funciona na base da obrigação,
disciplina imposta e deveres cobrados. As crianças, a partir dos
7 anos, são podadas em sua ludicidade que caracteriza o tempo
infantil. Se o ensino não fosse obrigatório e se a presença, em
sala de aula, não fosse exigida, muitas crian ças desistiriam
de estudar antes de serem expulsas, por falta de interesse e de
notas baixas.
Bom é fazer aquilo que se gosta, inclusive quebrar tabus e experimentar
o que é proibido, pois desperta curiosidade. Apanhei do meu pai,
certa vez, quando me pegou jogando sinuca. Minha mãe me castigava
e me batia, quando chegava tarde, em casa, depois da pelada de
futebol. Tinha um enorme desejo de assistir aos filmes para maiores
de dezoito anos. Meu namoro mais marcante foi aquele proibido
pelos pais da menina. Pulava sete cercas, à noite, para encontrá-la,
nos fundos de sua residência. Bom mesmo é fazer o que se gosta,
inclusive e principalmente, quando é proibido, como era o futebol
e o namoro para mim.
Quando a escola (transformada a sua estrutura organizativa) for
um local aonde a criança irá aprender brincando, para desenvolver
suas capacidades específicas e não as impostas pelo sistema de
ensino, e contar com professores felizes, só então estará cumprindo
com sua função social de formar (sem colocar na forma|) cidadãos
conscientes e politizados, autônomos, independentes e capacitados
para o trabalho que estará contemplando suas inclinações cognitivas.
Daí, sim, haverá oportunidade para tornar as crianças produtoras
do conhecimento e de valores, bem como de vê-las fazer questão
de freqüentar a escola, porque estarão livres para escolher as
atividades prazerosas que marcarão, no futuro, o trabalho profissional
adequado as suas habilidades, desejos e sonhos.
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