Entrevista do escritor Gustavo Dourado
a Alexandre(Xande) Rego
Estamos diante de um escritor que dispensa apresentações, afinal,
quem não conhece Gustavo Dourado? Entretanto, num país que carece
de nomes que elevem nossa cultura ao lugar que merece, Gustavo
é um expoente com pouquíssimos pares. Culto como poucos e com
uma bagagem literária rara, o poeta “dourado” é uma referência
no universo das letras. Em entrevista exclusiva a Alexandre (Xande)
Rego, diretamente do Distrito Federal, Gustavo Dourado dá uma
mostra de como ser conhecido e, ao mesmo tempo, humilde em sua
apresentação.
Autores
& Leitores - Quem é Francisco Gustavo de Castro Dourado?
GD - Francisco Gustavo
de Castro Dourado é o meu nome real. Nome de batismo e registro
na certidão de nascimento. Francisco, um nome tradicional
que vai do meu avô paterno a muitos dos meus antepassados
de origem hispano-portuguesa. O Gustavo é nome advindo de
meu avô materno. O Francisco e o Gustavo eram parentes. E
o meu nome por inteiro foi uma espécie de acordo entre pai
e mãe. Meu pai queria Francisco e minha mãe Gustavo e aí ficou
Francisco Gustavo. Achei uma sábia decisão ao mesmo tempo
em que homenagearam os meus avós. Sabedoria popular sertaneja
implícita na onomástica. Sou um pouco dos meus avós, dos meus
pais e familiares e um pouco de cada ser que convivi ao longo
desses 46 anos. em 18 de maio de 1960, de Edelzuíta de Castro
Dourado e Ulisses Marques Dourado , no povoado de Recife dos
Cardosos, em Ibititá, na terra do feijão e da mamona, na região
de Irecê, no coração da Chapada Diamantina Setentrional- Baixo-Médio
São Francisco... Já vivi em muitos lugarejos e povoados do
Sertão: Recife dos Cardosos, Rochedo, Meios, Lapão, Caraíbas,
Irecê. Nesses lugares vivi até os 15 anos. Tive muitas andanças
por vilas e fazendas: Pedra Lisa, Lagedão, Canal, Canarana,
Lagoa do Leite, Boa Vista, Jurema, Maniçoba e por tantos lugares
mágicos do universo sertanejo. Tempos sem energia elétrica,
sem televisão, sem telefone, sem quase-nada.... Tempos de
riqueza cultural de um povo sofredor e feliz por natureza...Tempos
de glória e iluminação... Desde 22 de dezembro de 1975 vivo
em Brasília com passagens por Planaltina, Sobradinho, Taguatinga,
Lago Paranoá, Candangolândia e pelos eixos do Planalto Central
e da Capital Federal. Muita luta e sofrimento no caminho e
um aprendizado constante. Estudei com professores leigos,
professores católicos, evangélicos. Escolas de influência
católica, presbiteriana, batista e algumas escolas públicas
de excelência. Na Bahia estudei em vários lugares e acordava
de madrugada para ir a pé de meu povoado de Recife dos Cardosos
para ir estudar na cidade de Ibititá. Do ABC, cartilha, às
primeira séries foi uma verdadeira epopéia. Ainda presenciei
a famigerada palmatória, que logo depois foi abolida com os
novos tempos de uma educação mais livre. Tempos da taboada
onde se aprendia matemática cantando, na voz do mestre Dionísio
Maia. Depois comecei a estudar com professores mais letrados
como Arli/Arlene, Adelmita, Loídes, Hildete até chegar a Irecê
com a professora Elzi, de formação batista. Os estudos prosseguiram
em Lapão com as professoras Rivanda e Eni(formação presbiteriana).
Sempre fui aluno aplicado e estudioso e conseguia excelentes
resultados nas notas e no aprendizado. Depois estudei a 4ª
série, em Irecê, com as professora Jaci e Agnes . Após isso
fui para o Colégio da Fraternidade, onde fiz o preparatório
para o concurso para o Ginásio Polivalente, que estava em
processo de inauguração. No Polivalente estudei por 4 anos
e muito aprendi bastante com professores de alta qualidade
como Luís Antônio, João Almeida, Margareth, Almerinda, Raimunda,
Luís Orlando, Otacílio, Omar, Mirandinha e tantos outros.
No Polivalente fui líder estudantil, orador, bibliotecário,
diretor do clube de leitura e campeão em olimpíada de conhecimentos
gerais, em episódio de destaque quando a nossa 7ª série venceu
com folga a equipe da 8ª série. Depois veio Brasília, 404
norte, Colégio Agrícola de Brasília, Universidade de Brasília,
sde graduação, especializações, pós-graduação, simpósios,
seminários, conferências, palestras, debates, eventos."
Autores
& Leitores - Escritor, poeta e ex-presidente do Sindicato
dos Escritores do Distrito Federal. A literatura é uma profissão
ou hobbie? É possível ser escritor no Brasil e "viver" de
literatura?
GD - Escritor, poeta
e ex-presidente do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal.
Fui presidente por dois mandatos consecutivos. Atuei como
vice-presidente, conselheiro e diretor de departamentos. Agora
sou conselheiro e presidente emérito por deferência de meus
colegas do Sindicato. Foi uma longa batalha contra os moinhos
de vento da opressão e do terror midiático e editorial, em
uma cidade sem editoras, sem distribuição e sem divulgação
da imprensa comercial. Foi um período de muito empenho e de
bom desempenho onde empreendemos importantes projetos em parceria
com a Fundação Cultural/Secretaria de Cultura. Projetos pioneiros
com Poesia nos ônibus, que divulgou 75 poetas pelos ônibus
de Brasília. Poetas de Brasília como Cassiano e Anderson Braga
Horta a poetas destacados como Carlos Drummond de Andrade,
Mário Quintana, Cora Coralina, Affonso Romano de Sant´Anna,
Issa e Décio Pignatari . Levamos os autores para as escolas
com o Classe Arte para debates e encontros com os alunos das
escolas de Brasília e das cidades do Entorno. Realizamos mais
de mil lançamentos de livros no Teatro Nacional , na UnB,
em faculdades, teatros, cinemas, escolas, clubes, shoppings,
bibliotecas, Congresso Nacional, Rodoviária, Mala do Livro,
Feira do Livro , bienais, Câmara Legislativa, Taguatinga,
Academia Taguatinguense de Letras, Instituto Histórico e Geográfico,
União Brasileira de Escritores , academias de letras, associações,
blocos, quadras, residências, restaurantes, cafés, feiras.
Nunca Brasília teve tanto evento literário. Realizamos o "Encontro
com a Palavra" nas bibliotecas de Brasília, Ceilândia, Taguatinga,
Samambaia, Gama, Sobradinho, Brazlândia, São Sebastião, Núcleo
Bandeirante, Riacho Fundo, Candangolândia, Paranoá, Santa
Maria, condomínios, Goiânia, Rio de Janeiro, São Paulo, Luziânia,
Valparaíso, Paracatu, Salvador. Os autores de Brasília foram
destaque na mídia no Real Expresso da Cultura com participação
especial nas bienais internacionais do livro do Rio e de São
Paulo, onde foram destacados em matéria do DF TV da Rede Globo
e no Jornal das 10 da Globo News. Foi um tempo de muito suor
e trabalho. Outro projeto importante foi a "Estante do Escritor
Brasiliense" em bibliotecas públicas e livrarias como a Siciliano,
Vozes, Saraiva, Nobel, Presença/Belas Artes e em diversos
cafés, bares e restaurantes de Brasília, como o Carpe Diem,
Café com Letras. Além de vários espaços culturais de Brasília.
Autores
& Leitores - Você é conhecido por "Armagedom", o que
significa este seu pseudônimo?
GD - Armagedom, Armagedon,
Harmagedom, Amargedom vem do Apocalipse 16:16 , livro místico
e misterioso atribuído ao profeta São João. Har-vale; Magedom,
vem do monte Megido, na planície de Jezrael, entre Israel
e a Palestina. Vale de muitos confrontos entre os semitas
e os povos antigos do Oriente Médio e Próximo, Egito, Mesopotâmia
e Pérsia. Local estratégico para a Batalha Final. O nome surgiu
com um poema que fiz aos 15 anos, logo que cheguei a Brasília.
Esse poema desdobrou-se em música e em literatura de cordel.
As pessoas que ouviam o poema começaram a me relacionar com
os cantares das profecias apocalípticas. Armagedom foi convertido
em Amargedom...Amar já e dom...O dom de amar...Muita gente
não pronunciava o r aí o Armagedom da guerra converteu-se
no Amargedom do amor e da poesia, do cordel e da fantasia...É
um nome de mistérios, cabalístico, demiúrgico, profético,
revolucionário. Armagedom...Amargedom de Shamballah : "Cante
lá que eu canto cá", parodiando Patativa do Assaré... Usei
mais o Amargedom como pseudônimo até 1997. De lá pra cá comecei
a reforçar o Gustavo Dourado, parte do meu nome original.
Autores & Leitores
- Você tem várias ações culturais desenvolvidas em Brasília
e no Distrito Federal citadas em entrevistas. Fale-nos delas
e quais são seus planos atuais.
GD - Atuei em diversas
áreas da cultura: literatura, cordel, cinema, música, produção
cultural, eventos, folclore, artes visuais, cineclubismo,
performance, teatro, multimídia, internet. Colaborei ativamente
na Feira do Livro de Brasília, Festival de Brasília do Cinema
Brasileiro, CUCA, Fundação Cultural do Distrito Federal/Secretaria
de Cultura, Elefante Branco/Semana de Arte, Cultura e Meio
Ambiente, eventos literários, lançamentos de livros, Centro
de Criatividade do Sarah, Sindicato dos Escritores, Almub,
associações culturais, Cineclube Gritto, Associação de Arte
e Cultura de Taguatinga, Faculta, Faculdade Dulcina de Moraes,
Livraria Presença/Café Belas Artes, Biblioteca Demonstrativa
de Brasília, Café com Letras, Beirute, Carpe Diem...UnB, UNE,
DCE, CALEL-Centro Acadêmico de Letras, Flimpo-Festival Livre
de Música Popular , Expoartes 6, 7 e 8 e tantos outros eventos.
Tenho alguns planos que gostaria de realizar, entretanto a
conjuntura não é favorável em tempos de globalização neoliberal.
Gostaria de ter mais tempo para escrever e espaço para publicar.
As editoras estão fechadas às normalidades e aos lugares-comuns.
Nada de novo no front. Tudo continua tão igual e tão desigual.
Falta inovação. Não há espaço para a poesia revolucionária.
Está tudo normatizado dentro do padrão global. Falta ousadia,
garra e valentia aos editores. Os bons poetas são alijados
do processo editorial. Ninguém aposta no novo. Reina o aparthaids
cultural e a midiocridade. Os espaço da mídia são cedidos
para os "amigos" e para os inofensivos. Não há lugar para
rebeldias e questionamentos. Só tem vez quem segue as normas
estabelecidas do padrão mercadológico do consumo. Tem muito
medíocre por aí posando de "inovador". São agentes do consumismo
e da indústria cultural, sem compromissos com as mudanças
e as transformações sociais. Ídolos de pés de barro que se
quebrarão nas primeiras intempéries do tempo e do destino.
Roberta - É possível
desenvolver algumas de suas idéias quando à frente do Sindicato
dos Escritores do DF em nível nacional? Quais são estas na
sua opinião?
GD - Muitas dessas idéias
já foram desenvolvidas por artistas e produtores culturais
em Brasília, no Rio-São Paulo e no Norte-Nordeste, em Minas
e no Sul-Sudeste. Faltam recursos para a cultura e o pouco
que tem fica nas mãos dos mesmos de sempre. É preciso democratizar
os recursos e os meios de produção cultural, midiáticos e
editoriais. A miserabilidade cultural, a mediocridade tomou
conta dos jornais, dos cadernos de cultura e das tvs. Só se
vê o besteirol e baixarias dos bigbrothers da vida, das novelas
e das xuxarias. Os programas de tvs estão na hora da morte
com os ratinhos, gugus, faustões e tantas alienações desferidas
contra o nosso pobre povo faminto e analfabeto, carente de
arte, cultura e consciência. É preciso transformar e regionalizar
a cultura e os meios de produção cultural, jornalística e
midiática. Revolução na TV.
Autores & Leitores
- Quais são seus projetos pessoais ligados à literatura?
GD - Tenho muita coisa
escrita e muitos projetos por realizar. Gostaria de organizar
coletâneas e antologias, sites, revistas, encontros, palestras
e debates. Faltam os recursos para empreendê-los. Os diversos
governos nunca têm dinheiro para cultura, a educação e as
necessidades básicas do povo. Eles preferem dar algumas bolsas
enquanto enchem os bolsos. A curto prazo gostaria de publicar
uma coletânea de poesia e outros de cordel. A médio prazo
escrever e publicar artigos, contos e crônicas e a longo prazo
concluir alguns romances e peças de teatro. Tudo depende de
tempo e mais ainda de patrocínio. Enquanto não consigo realizar
esses sonhos vou agindo na internet, que é o espaço que encontrei
para divulgar o meu trabalho.
Autores & Leitores
- Você tem uma grande ligação com o cordel. Fale-nos sobre
esta paixão pelo gênero.
GD - O Cordel é uma
paixão de berço, de raiz. Está presente em minha vida desde
que me entendo como gente. Fui alfabetizado com o cordel.
Gosto muito do gênero e é uma constante em minha lida. Convido
os leitores para conhecer alguns dos meus cordéis no link:
www.gustavodourado.com.br/cordel.htm O cordel influenciou
grandes nomes da literatura brasileira: Guimarães Rosa, Jorge
Amado, Cora Coralina, José Lins do Rego, José Américo de Almeida,
Graciliano Ramos, Nísia Floresta, Bandeira, Cabral, Drummond,
Clarice, Ariano Suassuna e tantos outros. Influenciou a música,
a MPB, o Cinema Novo, Glauber Rocha, por excelência...
Autores & Leitores
- Você é associado ao portal Autores & Leitores desde quando?
De que forma tomou conhecimento do espaço e quais são suas
expectativas em relação ao mesmo?
GD - O portal Autores
& Leitores é um dos bons espaços literários de Internet. Sou
associado do portal desde 15/SET/2006. Tenho registro 306
e, há muito, acompanho os trabalhos aqui publicados. Espero
que o portal cada vez mais consiga novos leitores e associados.
Tenho boas perspectivas em relação ao portal e espero que
os coordenadores consigam ter bons resultados e tenham uma
boa safra de novos autores e multipliquem os leitores.
Roberta - O que você
pode sugerir tanto para os novos escritores que estão iniciando
e também para o nosso portal Autores & Leitores ?
GD - Sugiro muito empenho
e esforço para auferir bons resultados na senda literária.
Muita leitura. Principalmente dos clássicos e dos bons poetas.
Não é preciso reinventar a roda. Leiam bastante Machado de
Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Vinícius de Moraes,
Drummond, Cecília Meireles, Cora Coralina, Castro Alves, trovadores
provençais, cordelistas, Rui Barbosa, Lima Barreto, Adonias
Filho, Jorge Amado, modernistas, João Cabral, traduções de
Décio Pignatari e dos Irmãos Campos, Torquato Neto, etc. Leiam
os clássicos de todos os tempos, filósofos gregos, romanos,
alemães, franceses, ingleses, antigos, medievais, contemporâneos.
Leiam os grandes poetas e romancistas:Shakespeare, Goethe,
Stendhal, Victor Hugo, Dante, Balzac, Joyce, Virgínia Wolff,
Gertrud Stein, Becket, Dostoiévski, Tolstói, poetas, romancistas
e filósofos russos, chineses, indianos, Saramago, Gabriel
García Marquez, Carpentier, Paz, Fuentes. Poetas como Camões,
Pessoa, Bocage, Rimbaud, Baudelaire, Apolinaire, Maiakovski,
Brecht, Bandeira, Quintana, Cruz e Sousa, Augusto dos Anjos,
Gullar, Barros e os bons poetas do Brasil e do mundo. E não
esquecer de escrever e reescrever quantas vezes forem necessárias
até se conseguir um bom texto