Nosso
grande poeta
Ivan Iunes - Estagiário da Assessoria
de Comunicação

"Quando pisou no aeroporto
do Galeão (RJ) – vindo de Nova York –, Cassiano Nunes Botica voltava
ao Brasil depois de cerca de quatro anos de estudos na Alemanha
e nos Estados Unidos. Não fazia idéia de onde trabalharia. Largou
o emprego de professor de literatura brasileira na Universidade
de Nova York para retornar ao país natal. Ao longe, avistou o
amigo que entrelaçaria sua história à de Brasília. O senhor magro,
calvo, de óculos era o poeta Carlos Drummond de Andrade. Ao escutar
o pedido do amigo por um emprego, Drummond pediu calma. Duas semanas
depois, o escritor mineiro o indicaria para lecionar na Universidade
de Brasília (UnB), no Instituto de Letras (IL). Era 1966 e Cassiano
permaneceria na instituição até 1991. Passados 38 anos, o jornal
UnB Notícias homenageia, na série Personalidade, o poeta, crítico,
professor, ensaísta e Doutor Honoris Causa (título concedido em
2002). Ou como ele mesmo se chama – o "velho cão" do Cerrado.
Em Brasília, além da própria produção literária, Cassiano Nunes
– formado em Letras Anglo-Germânicas e Contabilidade (por pressão
do pai) – é referência na formação de vários poetas, entre eles
João Carlos Taveira, Climério Ferreira e Gustavo Dourado. Pela
contribuição para a cidade, tornou-se cidadão honorário de Brasília
em 2001. "Ele sempre nos promoveu e chegou a montar exposição
em Paris só com poetas brasilienses", afirma o poeta e jornalista
Guido Heleno, ex-aluno de Cassiano.
Um dos maiores estudiosos da vida e da obra do escritor Monteiro
Lobato, Cassiano Nunes vive em meio à biblioteca que ocupa grande
parte de sua casa na 711 Sul, em Brasília. Amigo de Mário e Oswald
de Andrade, Antônio Cândido e Patrícia Galvão (Pagu), ele só começou
a escrever poesias depois dos 40 anos – até 2002, publicou 63
obras, entre poesias, ensaios, artigos e críticas. No último dia
4 de maio, lançou sua mais recente obra: Literatura e Vida, uma
coletânea de artigos.

Amiga de longa data,
a professora da UnB Maria Jesus Evangelista, conhecida como Majú,
revela como é o processo criativo de Cassiano: "Ele não faz sequer
correções nos versos. A inspiraçã o vem e o poema já sai com a
cara dele". Sua poesia é adepta do estilo livre, com ritmo simples
parecido com o de Manuel Bandeira. Modernista e contemporâneo,
segundo Majú, seus poemas apresentam incursões pelo simbolismo
impressionista. "É lírica, mas não piegas. Ele é um virtuose do
verbo livre", detalha.
Atualmente, a produção praticamente cessou devido a problemas
de depressão – em função da doença, Cassiano não pôde receber
a equipe do UnB Notícias. "Ele está melhorando e temos fé que
volte a escrever", diz Majú.
MENSAGENS NATALINAS - Ao apresentar os livros do amigo,
algumas dedicatórias chamam a atenção. Em uma delas, Cassiano
brinca ao se denominar "noivo espiritual" de Majú. "Ele é extremamente
educado, fino. Nunca deixa de enviar suas mensagens natalinas
para os amigos", diz a professora, presente na vida do poeta desde
1966. Cassiano também é bastante receptivo com os mais íntimos.
Heleno perdeu a conta das vezes em que apareceu de surpresa na
casa do poeta, rodeado de gente nas madrugadas dos anos 1970.
O escritor foi o primeiro brasileiro de sua família. "Os pais
e a irmã são portugueses da cidade de Tomar", conta Bernardo Bernardes,
amigo conquistado em 1995 que filmou o documentário Viva Cassiano!
sobre a vida e a obra do poeta a ser lançado na próxima edição
do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
CAMINHADAS - Em São Vicente (SP), onde passou a infância
e a adolescência, Cassiano despertou para a literatura. Por volta
dos 15 anos, passou a pegar livros emprestados em uma biblioteca
particular. Costumava andar de sua casa até o local. Cassiano
sempre gostou de caminhadas. Hoje, elas continuam parte de sua
rotina, mas sob recomendação médica. Duas vezes ao dia, anda pela
W3 Sul. A seu lado, sempre uma das duas governantas – exigência
dos amigos,preocupados com possíveis quedas ou assaltos.
A autenticidade também é um traço de seu caráter. Diz o que pensa
e o que sente, sem vírgulas. Com a mesma paixão, defende suas
convicções. A mais famosa delas é a repulsa pela televisão. Durante
décadas, não quis ter o aparelho em casa. "Hoje, em função da
idade e das governantas, ele assiste por vezes", revela Bernardes.
TELEVISÃO E CAPIM - Para Cassiano, os programas televisivos
se resumem a três bês: beijos, bebês e bundas. "No dia em que
os meios de comunicação recomendarem à população que comam capim,
vão ver que sucesso...Haja capim", escreveu em seu livro Grafitos
nas Nuvens. Seu discurso radical motivou debates tanto no Entorno
quanto no Plano Piloto.
A facilidade de comunicação e a preocupação com questões sociais,
características marcantes, já lhe renderam situações cômicas quando
a fama se espalhou. Por dia, passavam 10 pedintes à sua porta.
O escritor chegou a gastar R$ 300,00 por mês com esmolas. A prática
incomodava os vizinhos, que o acusavam de atrair mendigos para
a quadra.
Nada é mais justo para Cassiano do que se preocupar com problemas
sociais. Afinal, para ele, não existe cultura sem generosidade.
Agraciado com dois prêmios da Academia Brasileira de Letras (ABL),
ele nunca perdeu a esperança de assistir à transformação social
brasileira. Menos mal, já que, como José Saramago em seu Ensaio
sobre a Cegueira, "a cegueira também é isto, viver num mundo onde
se tenha acabado a esperança". Somos todos um pouco menos cegos
por conta de Cassiano Nunes.
Textos:
UnB Agência.
Fotos: Inês Cavalcanti e André Luis da Cunha/UnB Agência.
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