Academia
do Fardão e da Confusão
Cortejada pelo governo. Protegida
pelo Estado. A Academia Brasileira de Letras, com seus 102 anos
de existência, é uma instituição conservadora,
elitista e aristocrática. Esta é a visão
do escritor e crítico Fernando Jorge em seu livro A Academia
do Fardão e da Confusão
Polemista mordaz, Fernando Jorge faz uma leitura demolidora da
Casa de Machado de Assis. Desenvolve um estilo impiedoso contra
os velhinhos do Petit Trianon. Dessacraliza os imortais da ABL,
chamando-os de mesquinhos, vaidosos, confusos, medíocres
e contraditórios, sem esquecer de destacar as devidas exceções:
Machado de Assis, Guimarães Rosa, Viana Moog, João
Cabral de Melo Neto, João Ubaldo Ribeiro, Antônio
Houaiss, Antônio Callado, entre outros.
O livro, publicado pela Geração Editorial, dirigida
por Luiz Fernando Emediato, tem causado polêmica e promete
ser um dos campeões de vendagens. Emediato opina: É
com o espírito de João Ubaldo que se deve ler este
livro mesmo quando não concordamos com seus termos.
A franqueza rude e passional do autor só pode chocar aos
fariseus e aos hipócritas. Jamais aos que têm compromisso
com a verdade.
Fernando Jorge faz uma análise crítica, irônica,
sarcástica, às vezes exacerbada da Academia Brasileira
de Letras e de seus pretensos imortais. O autor usa termos variados
para ridicularizar o famoso grêmio literário: Subserviente,
estéril, decadente, covarde, confuso e grotesco.
Um dos exemplos do grotesco citado pelo autor no livro é
o tom fantástico e sobrenatural dado ao enterro do ex-senador
e antropólogo Darcy Ribeiro. A ABL enterrou o corpo de
Darcy Ribeiro no jazigo 27, em de seus mausoléus, no cemitério
São João Batista, no mesmo túmulo em que
abrigava os restos mortais do acadêmico e jornalista Elmano
Cardim. No Dia de Finados, a família do jornalista foi
visitar o túmulo e, lá, descobriu que por ordem
da ABL, o esqueleto tinha sido substituído pelo ilustre
cadáver do senador. O filho do jornalista, Elmano Gomes
Cardim Filho, escreveu uma carta à presidente da academia,
Nélida Pinõn. Como não recebeu nenhuma resposta
de Nélida, Elmano Júnior entrou na justiça
e ganhou a causa. Os corpos foram trocados e a família
Cardim ainda recebeu a indenização de R$ 13 mil.
Outro caso interessante relaciona-se ao historiador Hélio
Silva que, segundo conta o livro, gostava de plagiar. O acadêmico
Alberto Venâncio Filho fez uma grave denúncia sobre
plágio de Hélio Silva em verbete de sua autoria.
O acadêmico plagiado denunciou o fato durante uma homenagem
prestada ao falecido Hélio Silva: Vamos saudar os
que partiram, mas este plágio a morte não absolve.
A ABL foi palco de diversas disputas, principalmente nos últimos
dez anos. Na disputa pelo prêmio José Ermírio
de Morais, no valor de R$ 50 mil, digladiaram-se Roberto Campos,
com um livro de memórias; e Fernando de Morais, com o livro
Chatô, o rei do Brasil. Houve, na ocasião, uma nítida
divisão entre conservadores e esquerdistas. Roberto Campos
foi defendido fervorosamente por Roberto Marinho e pela ex-trotskista
Raquel de Queiroz. Os dois faziam parte da equipe de seleção
do prêmio. Fato curioso: Na obra de Fernando de Morais,
o presidente das Organizações Globo aparece como
beneficiário de uma decisão do então general
Castelo Branco, que pôs uma pá de cal no já
decadente império de Chateaubriand e abriu caminho para
o reinado do dono do conglomerado Globo. Essas são algumas
histórias contadas no livro de Fernando Jorge. Uma leitura
extremamente útil para se entender o lado oculto de uma
entidade centenária como a ABL, com suas mazelas e contradições.
Em outras palavras, Fernando Jorge passa o recado de que uma academia
de letras deve lutar permanentemente pela preservação
das letras e do patrimônio cultural, fato que quase não
se vê na ABL. Ao contrário, enquanto o país
passa por momentos de grandes dificuldades econômicas, políticas
e religiosas, os intelectuais e formadores de opinião deixam-se
levar pelas fogueiras das vaidades e do egoísmo e esquecem
de lutar pelas transformações sociais. Principalmente
agora em que o Brasil vive um momento de afirmação
às vésperas de seus 500 anos de colonização
e de um novo milênio. Cadê a ABL que não faz
sequer uma campanha pela alfabetização de tantos
brasileiros que vivem na escuridão?
O livro A Academia do Fardão e da Confusão
deve ser lido nas escolas para que os alunos passem a desenvolver
o espírito crítico e analítico tão
necessários no mundo de hoje onde impera a letargia do
consumismo e a mediocridade impostos, na maioria das vezes, pela
mídia eletrônica com seus programas de imbecilização
que formam exércitos de estúpidos omissos e alienados.
Parabéns a Fernando Jorge pelo trabalho árduo da
pesquisa que mostra o lado cruel da desinformação.
Que após tão severas críticas, a ABL e outras
entidades culturais possam acordar para uma nova era cultural,
onde sejam valorizados a liberdade de pensamento, a criatividade,
a arte que liberta o homem.
Gustavo Dourado