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O "Espetáculo" Não Pode Parar - Palanque Literário e Eleitoral
(por José Aloise Bahia)

Na esteira das várias CPIs que inundam Brasília, um mar de citações e declamações. E o mais interessante neste show armado, televisionado e regurgitado é que o povo já percebe que os políticos estão transformando os trabalhos de averiguação e investigação num tremendo palanque literário e eleitoral. O jornal Estado de Minas de domingo, sete de agosto de 2005, em matéria de Lívia Stábile, estampou com ironia o "Vale-Tudo" orquestrado para chamar a atenção do eleitorado.

Nem Napoleão Bonaparte escapou das citações. O Deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), durante depoimentos de Sílvio Pereira, citou Bonaparte: "Na subida, é difícil parar; na descida, é impossível". Já o deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-BA), no depoimento da sra. Renilda Santiago de Souza, relembrou o dramaturgo Nelson Rodrigues: "Claro! Isto é o óbvio ululante". Na matéria do Estado de Minas, observamos uma reflexão lúcida feita pelo economista, professor e cientista político Bruno Reis (UFMG). Ele assinala: "Em alguns casos, as citações são de ordem pessoal e espontânea, como quando Jefferson Peres (PDT-AM) lembrou do fado português. Outras vezes, parece falso, como a analogia banal que o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) fez entre o depoimento de José Dirceu e o poema José, de Drummond. As citações são o preço que pagamos pela transmissão ao vivo".

Os senadores e deputados esbanjam "erudição". No caso do deputado José Dirceu (PT-SP) nâo foi nem tanto a erudição. No seu lamento em relação às denuncias que estão nas suas costas, ele se lembrou foi da banda de rock Legião Urbana: "É como diz aquela música... Que país é este?". Haja Nervos de Aço para agüentar tamanha verborréia. Aliás, Nervos de Aço é o nome do samba-canção de Lupicínio Rodrigues invocado por Roberto Jefferson (PTB-RJ) para justificar o hematoma em seu olho esquerdo. Antes, Jefferson revelou-se um religioso da maior estirpe ao citar a Bíblia: "Lendo Mateus, eu vi lá escrito: Não temais aquele que pode matar o corpo, temei o que pode matar a sua alma e o seu espírito".

Até agora participam das citações: a filósofa Hannah Arendt, o escritor Érico Verrissimo, o músico Renato Russo, o destemido Napoleão Bonaparte, o poético Carlos Drummond de Andrade, o estadista Getúlio Vargas, o compositor alemão Carl Orff, a Bíblia, o cantor e compositor Lupicínio Rodrigues, o fado português, o pensador romano Cícero, o padre Zezinho, John Lennon, Raul Seixas e por aí vai... Desconfio, com uma certeza absoluta, que esta lista vai aumentar com o andar dos trabalhos.

Como podemos observar a CPI também é "cultura". O eleitorado acompanha com os olhos grudados na TV. E a imprensa também vai embarcando na mesma onda. Pois nesse "Vale- Tudo" mais jornais e revistas são vendidos. Mais denúncias aparecerão, alimentarão o tempo. Prorrogam-se as coberturas. Tudo se transformando num imenso palanque literário e eleitoral, cada vez mais condimentados por manchetes, chamadas e reportagens. No fundo no fundo, desconfio que todos querem é ver o circo pegar fogo. Querem ver o desdobrar e o prolongamento dos trabalhos. Querem aparecer.

"O espetáculo não pode parar...", lembrou muito bem um senhor que freqüenta um bar daqui do bairro onde moro. Tomando a sua cachaça lá estava ele rindo à-toa, dizendo a todos: "Esse deputado aí que citou a Bíblia eu não voto nele não". Em meio às gargalhadas, ao sair do bar, a última coisa que eu escutei de alguém da roda foram àquelas palavras que eu havia escutado anos atrás no mesmo estabelecimento: "Só espero que tudo isso não termine em pizza". A CPI da época era a do Banestado.


José Aloise Bahia (Belo Horizonte/MG). Jornalista e escritor.
Autor de Pavios Curtos (anomelivros, 2004). josealoise@aol.com


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