Entrevista concedida a:
Adriana Cattelani
Juliana Dias
Sarah Galvano
Ricardo Ribeiro
Carolina Barkauskas
01
- Há diferenças nas manifestações da Literatura de Cordel
no Nordeste e nas demais regiões do Brasil?
GD - Sim. No Nordeste
tem elementos regionalistas mais significativos. O ambiente
dá ao cordel nordestino uma característica própria, realista,
crítica, satírica, irônica, ferina. debochada, sarcástica.
Recebe a influência de diversos elementos do folclore e da
cultura popular. O boi, o cavalo, o bode/a cabra(torna-se
o cabra da peste), a caatinga, a seca, a miséria, a fome,
o anafalbetismo são elementos presentes e marcantes. Há também
o lado picarisco de figuras mitológicas e arquetípicas como
João Grilo, Pedro Malazartes, Cancão de Fogo, o Amarelinho,
Romãozinho, o Demo e outras figuras da cosmitologia sertaneja
nordestina universal...Nas outras regiões temos outros importantes
elementos significativos: Em São Paulo, o trabalho, a indústria,
a construção civil. a presença estrangeira gera caracteres
próprios ao ambiente dramático da metrópole do Terceiro Mundo.
O desemprego, a violência, gangs são elementos cruciais no
dia-a-dia do povo e dos poetas. No Rio, a praia, o futebol,
o tráfico, o morros, as favelas, os conflitos sociais. Em
Brasília, o poder, as contradições, a ilusão da modernidade
e por ai vai...O cordel recebe influência de todos os ângulos
e evolui como tudo na vida...
02
- Há alguma particularidade que já pode ser destacada em alguma
região?
GD - Claro. O Nordeste
está presente em qulquer região. Está em São Paulo, no Rio,
em Brasília, em Belo Horizonte, A presença do migrante sertanejo
é marcante em vários setores da sociedade, principalmente
entre o povo mais pobre, os trabalhadores, os desmpregados,
os marginalizados, os sem-terra e os sem-teto, os sem-nada
entre os que tem tudo. Está no Brás, na Ceilândia, no Entorno
de Brasília, na Central do Brasil, nas baixadas, nas praças
e avenidas, nas fábricas, nas vilas periféricas e nas inumeráveis
favelas de quase todas as grandes cidades do Brasil. Hoje
o que se detaca é o grito contra a opressão e a vergonhosa
concentração de renda, a crescente violência, o desemprego
e as mazelas provocadas pelo neoliberalismo e pela globalização
capitalista...
03
- Há preconceito para com a Literatura de Cordel? Se sim,
por quê?
GD - Muito... às vezes
é velado, camuflado. Quase não se tem espaço na mídia, na
Academia, nas escolas, nas editoras, nos órgãos oficiais da
cultura estabelecida. As elites e os detentores dos poderes
segregam, dificultam a divulgação da arte como um todo. Tudo
o que é crítico recebe oposição. E o cordel tem o seu lado
crítico, rebelde e recebe uma sistemática oposição dos poderes
estabelecidos e do status quo.. O cordel mais divulgado é
aquele de louvor, de "puxa-saquismo"... É como na literatura
tradicional, que faz o jogo do mercado editorial, das idelologias
dominantes, do lucro e da mais valia...Urgem mudanças.
04
- Existe uma preocupação de se manter as características originais
da Literatura de Cordel ou há incentivo para a fusão com outras
culturas?
GD - As duas coisas
ao mesmo tempo. preserva-se e transforma-se; É um processo
de r-evolução permanente. Tivemos muitas mudanças com o advento
das novas tecnologias, principalmente por meio do audiovisual
e da Internet. O cordel adapta-se aos novos tempos e corporifica
as novas linguagens.
05
- Quem é o público interessado em Literatura de Cordel hoje?
GD - Boa parte dos nordestinos,
sobretudo os sertanejos; Pesquisadores do folclore, da cultura
popular e da comunicação, estudantes, professores, internautas,
estrangeiros. É um público mediano mas é crescente o interesse
pela temática do cordel, principalmente a partir dos anos
90 com o advento da Internet.
06
- Como você vê a divulgação da Literatura de Cordel pelos
meios de comunicação de massa?
GD - Eles tratam os
poetas de forma discriminatória e como elemento folclórico.,
com as devidas exceções dos jornalistas sérios e conceituados.
A grande maioria dos midiáticos reproduzem os mandamentos
do mercado editorial e a catilha do da indústria cultural
capitalista e de seus interesses mercadológicos. Há um melhor
tratamento por parte de jornalistas pesquisadores bem graduados
que sabem separar o joio do trigo. Temos muitos professores
universitários que fazem séria pesquisa sobre a literatura
de cordel. Muitos estudantes de comunicação têm estudado e
pesquisado o tema Cordel e alguns deles fazem as suas monografias
e teses de mestrado e de doutorado..
07
- Como você vê a divulgação da Literatura de Cordel pela Internet?
GD - É uma das poucas
saídas para divulgar a produção da literatura de cordel. Os
folhetos e impressos são muito caros, de difícil publicação
e de distribução quase proibitiva. A Internet é a salvação
da lavoura poética. É preciso separar o joio do trigo e lapidar
as pedras brutas da linguagem poética.
08
- Qual é o principal obstáculo da Literatura de Cordel hoje?
GD - É a conquista de
leitores nas escolas e nas academias. O principal obstáculo
está nos entraves burocráticos do mercado editorial e midiático.
Falta um apoio significativo dos órgãos de cultura municipais,
estaduais e federais. O cordel deveria ser aplicado nas salas
de aula. É uma cultura riquíssima que deveria ser melhor tratada
pelos brasileiros. Os poderosos precisam deixar a carruagem
passar...Chega de miséria cultural e do bestirol televisivo
dos big brothers da vida que alienam e escravizam o nosso
povo...É preciso uma revolução cultural nos meios de comunicação
e nos processos midiáticos e da publicidade.
09
- Quais as alternativas possíveis para se manter viva a Literatura
de Cordel?
GD - Criar, publicar,
distribuir e divulgar. Não se tem espaços nos jornais e revistas.
É preciso incentivar a criação. Patrocinar os criadores e
facilitar o processo de edição e distribuição. Enquanto isso
não cada um faz a sua parte como pode.
10
- A Literatura de Cordel é facilmente interpretada por públicos
de outras regiões, além do Nordeste?
GD - Sim. É uma linguagem
universal. Vem desde os provençais e trovadorescos e conquistou
o Brasil, via Nordeste lá pelos meados do Século XVIII; Ela
é simples e de fácil compreesão. É poesia pura. É direta e
toca a alma do povo.
11a
- Há necessidade da adaptação de algumas obras para o bom
entendimento do público que a acompanha por meio dos meios
de comunicação de massa?
GD - Sim. Algumas obras
já foram adaptadas como é o caso de Auto da Compadecida e
a Pedra do Reino de Ariano Suassuna e de Morte e Vida Severina,
de João Cabral de Melo, entre muitas outras. Muitos cordéis
serviram para a estruturação de roteiros de filmes de importantes
cineastas como Glauber Rocha e Vladimir Carvalho.
11b - Se sim, isso está
sendo feito?
GD - Tenho visto obras
adapatadas na tv, no teatro e no cinema, com relativa continuidade.
12
- Na sua opinião, quem são os grandes nomes da Literatura
de Cordel hoje? Eles estão distribuídos por todo o Brasil
ou ainda concentram-se no Nordeste?
GD - São vários. Temos
centenas deles. Prefiro não citar uns e esquecer outros e
cometer injustiças. Vou aqui lembrar o nome de Jota Borges
que ficou mundialmente conhecido por suas belas xilogravuras.
A maior parte ainda está no Nordeste, nas capitais e principalmente
nos sertões da Paraíba, de Pernambuco, Ceará, Bahia. Em todos
os estados do Nordeste, Piauí, Maranhão. Alagoas, Sergipe,
Rio Grande do Norte. Temos muitos desses poetas em São Paulo,
Rio de Janeiro, Brasília, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo
e até no Norte e no Sul do Brasil...
13
- Sabemos que minisséries e filmes surgiram a partir de obras
da Literatura de Cordel. Quais desses produtos respeitaram
a linguagem e foram fiéis a essa arte popular?
GD - Creio que a que
melhor representou esse espírito crítico, satírico e humorístico
do cordel foi o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, toda
alicerçada em folhetos da literatura de cordel.
14
- É correto afirmar que existem bandas, músicos e músicas,
espetáculos e campanhas publicitárias que são originários
da Literatura de Cordel? Quais?
GD - Sim. Muitos foram
influenciados pelo cordel nos vários campos da arte.
Zé Ramalho, Luís Gonzaga, Villa-Lobos, Geraldo Azevedo, Elba
Ramalho, Alceu Valença, Fagner, Quinteto Violado,Geraldo Vandré,
Raul Seixas, Cordel do Fogo Encantado, Ariano Suassuna, Auto
da Compadceida, Pedra do Reino; Glauber Rocha em Deus e o
Diabo na Terra do Sol e o Dragão da Maldade contra o Santo
Guerreiro, Vladimir Carvalho, Ruy Guerra, entre tantos outros.
15
- É correto afirmar que a expansão da Literatura de Cordel
é algo recente? Podemos arriscar uma época específica?
GD - No Brasil é de
100 anos e pouco mais. No Nordeste é conhecido também como
folheto, romance, abc, história...
Não dá para afirmar uma data específica. Tudo começou lá pelo
Século XVIII, sem esquecer todo o repertório anterior dos
provençais e dos trovadores medievais.
Não o cordel é centenário, Tem origens antigas e e medievais.
Veio para o Brasil via Portugal pelos colonizadores, navegantes,
sertanistas, bandeirantes, Aqui se mesclou com as culturas
africanas e nativas e ganhou uma vitalidade impressionate.
16a - Qual é a obra
mais conhecida em todo o território nacional?
GD - Em folheto impresso
destacam-se o Pavão Misterioso, Juvenal e o Dragão, A chegada
da Lampião no Inferno, o País de São Saruê, as pelejas de
João Grilo e Pedro Malazartes e os diversos desafios subvesivos
entre repentistas, emboladores e cordelistas. Na Internet
temos diversas obras como o Cordel da Corrupção, cordéis sobre
temas do cotidiano, fatos, eventos, violência, política, crimes,
conquistas.
16b - Como ela chegou
a esse patamar?
GD - Caiu na boca do
povo. A literatura de cordel tem o seu lado jornalístico que
é pouco aproveitado pela mídia tradicional. Com a Internet
ganhou fôlego e tem conseguido gradualmente conquistar importantes
espaços em sites, portais, blogs, grupos...
17
- Como é a Literatura de Cordel no exterior?
GD - É bastante pesquisada;
Principalmente na França, Portugal, Espanha, Itália, Estados
Unidos. Já temos várias teses de mestrado e de doutorado sobre
a temática cordelista. Teses que retratam o Apocalipse, o
cangaço, Padre Cíicero, Lampião. A arte do cordel deveria
ter mais apoio do governo brasileiro e dos organismos culturais
e diplomáticos. Temos importantes estudiosos da literatura
de cordel na Europa e nos Estados Unidos. Me recordo de Mark
Curran, Candace Slatter, Ria Lamaire, Idelette Muzart, Sylvie
Raynal, Silvie Debs etc. Mas o que mais se destacou foi Raymond
Cantel.
18
- Em São Paulo, existe alguma fonte (biblioteca, associação)
específica ou rica em Literatura de Cordel?
GD - Sim. Uma das maiores
coleções é do falecido professor Joseph Luyten que era ligada
à USP. Não sei como ficou essa coleção depois da morte do
grande pesquisador. Deve-se procurar a USP e o governo do
Estado de São Paulo, a Prefeitura para que esse e outros patrimônios
culturais sejam preservados e divulgados aos pesquisadores,
aos leitores e estudantes. Tem também as associações e os
centros de cultura nordestina que cultivam a literatura de
cordel e a cultura popular.
Como complemento da pesquisa sugiro que pesquise e leiam: