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J. Borges por J. Borges
(por Pedro Simões , da Agência de Notícias FestiSESI)

Imagine passar um dia no ateliê de J. Borges, nome reconhecido internacionalmente na área da xilogravura e do cordel, com direito a um bom bate-papo e cafézinho servido no bule. Quem veio ao 3º FestiSESI teve essa chance. Borges deu aulas na oficina de xilogravura, e entre um desenho e outro, conversava animadamente com seus alunos. Lá pelo meio da tarde, horário de visita, chega Jeová Franklin, pesquisador e organizador da exposição "100 Anos de Xilogravura no Cordel", também no FestiSESI.

Conversa vai, conversa vem, Borges falou de sua estadia em uma universidade texana, onde ele deu aulas por algumas semanas. E ironiza: "não dá pra acreditar em um cearense semi-analfabeto dando aulas nos Estados Unidos". A ida ao exterior foi consequência da reputação de mestre da xilogravura, fama que Borges agradece ao amigo Ariano Suassuna: "É que Suassuna saiu espalhando que eu era o melhor gravador do Nordeste e o povo acreditou". E aí, seu trabalho falou por si e J. Borges tornou-se sucesso universal, tanto popularmente - folhetos como "A Chegada da Prostituta no Céu" venderam tiragens na casa dos milhões - como na academia, onde a xilogravura era redescoberta como expressão artística.

A fama não subiu à cabeça. Pra quem já foi carpinteiro, pedreiro e vendedor de jogo do bicho, "entre outras coisas", a simplicidade está impressa em cada gesto. Quando uma das alunas pediu que ele lesse um cordel, ele não se fez de rogado, apesar da obra não ser dele. Era "A Epopéia de Manoel Esmeraldo e Vicencinha", de Gustavo Dourado. O poeta, que aprendeu a ler e escrever justamente com os folhetos de cordel, começou: "Foi em Santana do Cariri...".

Sempre esculpindo um pequeno pedaço de madeira que tinha em mãos, Borges mostrou que entende não só de versos e gravuras, mas também da história de sua arte. Com concisão, ele contou que a xilogravura é uma arte vinda da China há quase três mil anos, mas que se firmou principalmente na Europa como método de impressão. Quando as coloridas xilogravuras japonesas chegaram na Europa, a arte se reavivou, influenciando diversos artistas e chegando ao Brasil. Aqui, ela foi utilizada para ilustrar jornais, caixas de produtos e até rótulos de cachaça, quando os repentistas viram na técnica uma maneira barata e eficiente de incrementar seus folhetos. Nascia o cordel como o conhecemos.

Falando em nascimentos, ao fim da aula Borges havia terminado de trabalhar. Agora, uma asa branca, o pássaro imortalizado por Luiz Gonzaga, voava no céu de madeira esculpido pelas mãos do mestre. Alguns alunos também já terminavam seus trabalhos: cangaceiros, bandeiras e flores estavam pendurados em barbantes ao longo das paredes da sala. Elogiados por Borges e por Franklin, os alunos aguardavam orgulhosos suas obras secarem. Alguns aproveitaram para tirar cópias da Asa Branca e do Cavalinho, que Borges havia feito no dia anterior, sem esquecer do autógrafo.

Por fim, alguém sugeriu que os moldes de madeira fossem sorteados, ao que Borges concordou. Jeová Franklin, como pesquisador isento, ficou encarregado do sorteio. Entre os alunos na sala, foram distribuídos os originais da Asa Branca e do Cavalinho, além de um exemplar do livro "J. Borges por J. Borges", lançamento da editora UnB. O repórter não deu sorte, mas o sorriso no rosto dos três felizardos confirma a fama de gravador do mestre: a marca indelével da cultura popular.



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