Entrevista de Gustavo Dourado à jornalista
Mayara Traneblut
01
- Como surgiu seu interesse pela literatura de Cordel ?
GD - Nasci no Sertão
da Bahia, Recife dos Cardosos-Ibititá-Região de Irecê, na
Chapada Diamantina Setentrional/Baixo Médio São Francisco.
Foi lá que ouvi os primeiros cantadores repentistas e poetas
cordelistas na venda do meu pai Ulisses Marques Dourado. Eu
tinha 3 anos, quando ouvi desafios e o primeiro baião de viola
e os cordelistas declamando Juvenal e o Dragão e o Pavão Misterioso.
Foi aí que fui alfabetizado nos primeiros anos da infância.
Alfabetizado em poesia, via cordel. Naquele ambiente conviviam
nordestinos e sertanejos de todos os rincões: baianos, pernambucanos,
paraibanos, algoanos, cearenses, sergipanos, piauienses, maranhenses
etc.
O cordel estava presente no dia-a-dia da comunidade: nas feiras,
vendas, escolas, nas quermesses, nos forrós e nas reuniões.
Está no sangue do povo. Parece que vem no gen o gosto pela
poesia de cordel. Ouvi e li de tudo, principalmente Leandro
Gomes de Barros, Rodolfo Coelho Cavalcante, Patativa do Assaré,
Manuel De Almeida Filho, Cuíca de Santo Amaro, Azulão, Raimundo
Santo Helena, Paulo Nunes Batista, os repentistas Otacílio,
Dimas e Lourival Batista, Pinto do Monteiro e tantos outros
nomes de destaque de nossa poesia popular. Não posso esquecer
de Luiz Gonzaga, Zé Gonzaga, Pedro Sertanejo, Zé de Duquinha,
Rota, Dene, os aboiadores e nomes do forró e do baião.
A cultura do rádio era muito presente em minha época de menino.
A televisão só veio em 1972. Era muita leitura, rádio e causos
e estórias da tradição do povo. E cordel, com fartura, à vontade...
Cordel de todos os níveis e estilos.
02
- Que obras suas o senhor citaria como mais importantes de
sua carreira. Qual lhe marcou mais?
GD - A obra mais importante
foi A Guerra do Armagedom escrita aos 16 anos e apresentado
em 1980 no Festival de Repentistas e Poetas Cantadores de
Brasília, em Ceilândia, reduto dos nordestinos no Distrito
Federal. O Cordel foi apresentado em praça pública, em plena
ditadura militar e foi aclamado pelo povo, despertando a imediata
atenção de pesquisadores como Sylvie Raynal, da Sorbonne/Poitiers;
Joseph Luyten, da ECA/USP, Sebastião Nunes Batista e da Jornalista
Maria do Rosário Caetano, à época repórter do Correio Braziliense.
Criei e apresentei vários cordéis em minha época de estudante
da UnB. Cordéis sobre o movimento estudantil, repressão política
e liberdade de associação, anistia, greves, eleições diretas,
corrupção, ditadura, terrorismo, revolução. A maioria desses
cordéis foram confiscados pela polícia política em uma invasão
de nossa moradia no Centro Olímpico- alojamento estudantil(UnB).
As principais obras posteriores são os cordéis biográficos
sobre os grandes escritores, intelectuais e artistas como
Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Cora
Coralina, João Cabral de Melo Neto, Augusto dos Anjos, Lima
Barreto, Rimbaud, Jorge Amado, Auta de Sousa, Cruz e Sousa,
Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes, Van Gogh, Pixinguinha,
Paulo Freire, Anísio Teixeira, Euclides da Cunha, Érico Veríssimo,
José Saramago, Neruda, Federico García Lorca, Nietzsche, Mário
Quintana, Chico Buarque, Nísia Floresta, Adélia Prado, Vânia
Diniz, Stella Rodopoulos, James Joyce, Raul Seixas, Glauber
Rocha, Cordel da Família Dourado e o Cordel do Cinema.
Os principais cordéis podem ser lidos em meu site:
www.gustavodourado.com.br
www.gustavodourado.com.br/cordel.htm
www.gustavodourado.ebooknet.com.br
03
- Como está sendo vista no sudeste e sul e em outras regiões
do país nossa cultura de raiz?
GD - No geral, é muito
bem-vista. A influência da cultura nordestina é marcante na
literatura, na música, no cinema, no teatro e em todos os
ramos da arte e da cultura. Sempre tem algum preconceito em
determinados segmentos do poder, da mídia e da elite. A população,
o dito povão, os periféricos, os internautas e a classe média
são mais abertos à cultura nordestina. Entre os intelectuais
há um grande interesse pelo tema. Claro que tem aqueles que
não gostam e até aqueles que a combatem. Temos uma especie
de colonialismo interno imposto pelo Sul contra o Norte, do
Sudeste contra o Nordeste. Precisamos de valorizar mais a
cultura e investir em educação e no combate ao analfabetismo.
Veja o cordel da Cultura Nordestina: www.secrel.com.br/jpoesia/gustavodourado1.html
04
- O senhor acredita que o artista popular em geral, seja ele
ligado à literatura, ao artesanato, à dança ou à música, pode
sobreviver da arte que desenvolve?
GD - É possível, sim.
Entretanto demanda muita luta e sacrifício. Tem que suar bastante
e ganhar projeção para ser aceito pela elite e pelos intelectuais.
A mídia é muito centrada na cultura de massa: no rock, na
novela e nos enlatados. O espaço para a literatura e a arte
popular de qualidade é muito pequeno e geralmente é voltado
para a indústria cultural e para o marketing editorial. Os
editores são muito preconceituosos com a poesia. Eles preferem
investir em best-sellers, livros didáticos, de auta-ajuda
e biográficos e em nomes já conhecidos. Dificultam o acesso
dos novos à publicação. Quando publicados, não são distribuídis
e são excluídos das livrarias. O governo é omisso. Só dá verba
para quem não precisa. Só os grandes conseguem. Não tem política
para o livro e para a literatura. Nenhum apoio para o cordel.
É muito difícil ser escritor no Brasil. Ser poeta é uma luta
constante contra o preconceito e as barreiras impostas pelo
mercado e pela mídia centrada na publicidade paga pelas grandes
editoras e distribuidoras do livro. Ser cordelista então,
é um verdadeiro pandemônio. Ser cordelista é estar na ponta-de-lança
para enfrentar os canhões e os mísseis da globalização e do
neoliberalismo. Ser cordelista crítico é resistir contra tudo
e contra todos. É subviver e sobreviver na árdua luta de Davi
contra Golias. A luta cotidiária de nossa existência. Tem
que resistir e sobreviver. Sem perder a força de vontade e
o entusiasmo pela vida.
05
- Você tem um site que divulga o seu trabalho. Como foi que
surgiu a idéia de colocar para o mundo esse trabalho maravilhoso?
GD - Desde o inicio
da Internet eu tinha vontade de criar um site para divulgar
a nossa literatura de cordel. Tive dificuldades para implementá-lo
pelo alto custo financeiro do produto tecnólogico. Tive uma
experiência razoável em 1999 com a Usina de Letras, que apoiei
no início e que depois tomou outro rumo. Tornou-se comercial.
Não deu para ficar por lá. Aí criei o meu próprio site e ganhei
o mundo. Recebo visitas de leitores de todo o mundo interessados
em poesia e principalmente no cordel. Pesquisadores da França,
da Alemanha, Japão, Estados Unidos e leitores de todo o planeta.
Crio e edito os meus poemas no meu site semanalmente e participo
de comunidades literárias no Orkut e colaboro em portais literários
importantes como Jornal de Poesia, Poem Hunter, Cronópios,
Cordel Campina, Contemporary Beatnik, Blocos, Poetas del Mundo,
All Poetry, Dream Magic, Garganta da Serpente, Jornal Ecos,
Vânia Diniz, Sala de Poetas, Abrali, AVBL, ABLC, CBJE, Luna,
Ebooknet, Triplov, Via Fanzine, Cantinho da Poesia, Literatu,
Casa da Cultura, Sescsp, Domist, ATL, Ligazine, Escrita Criativa,
Planeta Literatura, Casa do Bruxo, Verdes Trigos, Kakinet,
Nozarte, Guia de Poesia, Antônio Miranda, Astrolábio, Palavreiros,
SEDF, Observatório Unesco, Blog-se, Wikpédia e muitos outros.
Divulgo o cordel e outras experiências literárias e estou
relativamente satisfeito com os resultados. Nosso trabalho
é objeto de análise por Patrícia Araújo, em sua pesquisa para
tese de doutorado pela Universidade da Paraíba e pela jornalista
e pesquisadora Sylvie Debs, da Universidade de Strasbourg-França,
que estuda as relações do cordel com o cinema. Ela esteve
em Brasília no Festival de Cinema 2005.Conversou comigo sobre
cordel e com cineastas relacionados à temática do cordel no
cinema. Fiquei bastante feliz quando o meu site foi escolhido
como referência em poesia pela Unesco.