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ENTREVISTAS



Entrevista de Gustavo Dourado ao jornalista Morillo Carvalho

01 - Gostaria que me mandasse alguns de seus dados biográficos e dados como idade, ocupações, etc.
GD - Gustavo Dourado, 46, Recife dos Cardosos-Ibititá-Bahia, 18/05/1960, em Brasília, desde 22/12/1975: Professor-SEDF, Escritor-Sindescritores, Gestor-Escola de Governo/ONU, Pesquisador cultural/educacional, Poeta/cordelista, Cibernauta. Pós-graduado em Educação, Linguagens Artísticas/Arte-Educação,Teatro/Dramaturgia, Gestão, Especialista/Consultor em Cultura Popular, Literatura Brasileira e Literatura de Cordel etc.

Tem 9 livros publicados e centenas de cordéis na internet.

Por favor, verifique os dados em:
www.gustavodourado.com.br/biografia.htm
www.gustavodourado.com.br/bibliografia.htm
www.gustavodourado.com.br/fortunacritica.htm

www.gustavodourado.com.br/artigos.htm
www.gustavodourado.com.br/fortuna.htm
www.gustavodourado.com.br/noticias.htm

www.gustavodourado.com.br/cordel.htm
02 - Como o Cordel entrou na sua vida?
GD - O Cordel está em meu sangue, corre em minhas veias de sertanejo diamantino, desde que me entendo como gente. É genético. Por volta dos 3 anos já me interessava pelos aboios dos vaqueiros, pelo ritmo do cordel e pela toada dos cantadores repentistas do Nordeste, lá na Chapada Diamantina-Bahia, na Região de Irecê-Lapão-Ibititá-Recife dos Cardosos. Foi ali que me alfabetizei na primeira infância ouvindo desafios, cantorias, histórias, parlendas, charadas, adivinhas, lendas, piadas, causos e contos populares. A cultura era muito forte e a oralidade era determinante no dia-a-dia. Meu pai(Ulisses Marques Dourado) era dono de venda, pequeno comerciante sertanejo e praticava a agricultura de subsistência para alimentar a família. Minha mãe era costureira e dona de casa. Plantava-se feijão, milho, mamona, melancia, abóbora, frutas e legumes. Naquele ambiente agropecuário e sertânico fiz os meus primeiros contatos com diversos trabalhadores rurais nas empreitadas da roça e no cultivo do pão de cada dia. Muitos deles/delas eram pernambucanos, paraibanos, cearenses, piauienses, alagoanos, potiguares. Era comum os mutirões, adjuntos e festejos dos operários da roça e lá se ouvia versos-história ora se referindo a Camões, Bocaje, João Grilo, Pedro Malazartes, Cancão de Fogo, Romãozinho e tantos outros nomes encastelados na memória da cultura sertaneja. De vez em quando alguém aparecia com um romance de cordel, um ABC, uma peleja, um desafio, uma façanha, uma aventura e o mundo se desencantava em prosa e versos...
03 - O que a Literatura de Cordel representa pra você?
GD - O Cordel é a minha vida desde que me conheço e me entendo como gente. Junto com a família é o que de mais importante tenho como substância, referência e essência de vida. Foi com o cordel que aprendi a ler, escrever e pensar. Foi nas fontes inesgotáveis do cordel que contatei/conheci o Pavão Misterioso, o Ciclo do Gado, o universo mágico das lendas e mitologias, as cantorias e os misterios da cultura popular e das lendas sertanejas. Representa a luta e a resistência de um povo valente que teima em sobreviver e resistir às intempéries do tempo e da política. Espirito vivo de Lampião, Maria Bonita, Corisco e Antônio Conselheiro.
04 - Quais são os principais problemas e dificuldades de ser cordelista no Brasil? É possível viver apenas como cordelista?
GD - É praticamente impossível viver como cordelista no Brasil e em Brasília, mais ainda. Poucos nomes se sobressaem nesse mundo literário popular. Talvez o J. Borges seja o único nome que consiga sobreviver com certa dignidade, pois conquistou um bom mercado como xilogravurista e depois como cordelista. Só pelo cordel, creio que passaria dificuldade como todos os outros poetas populares. Os problemas são diversos. Falta de apoio para publicação/edição, distribuição e divulgação do material produzido. O cordelista tem de fazer de tudo para sobreviver e resitir. Tem que correr atrás de tudo sozinho, de sol a sol... Não há apoio de nada e de ninguém.
Os organismos culturais e educacionais não consideram a poesia popular, não nos incentiva e não dá nenhum apoio. Vive-se um aparthaid cultural em Brasília. As muralhas do poder e da mídia tentam de todas as maneiras calar a voz da poesia. Eles jamais conseguirão. É a voz do povo. Tem essência, ritmo e legitimidade, longe do que é imposto pelo mercado fabricante de mitos e imagens.
Tudo é voltado para a cultura de massa, massmidia, cultura erudita, a cultura do marketing e do merchandising, do enlatado e do pré-fabricado para alienar o povo. É tudo voltado para a cultura do audiovisual, da tv, do relise e do mercado editorial elitizante e segregacionista. Claro que o que é bom eu respeito e admiro.
05 - Quais são os principais temas de suas obras?
GD - Crítica social, política, mídia, poder, corrupção, biografias, sátiras, ficção, mitologia, educação, conscientização popular, intertertextualidade, contemporaneidade etc.
Nos últimos anos tenho me firmado como cordelista cibernético, cibercordelista, pois não tenho apoio nem recursos para publicar os meus folhetos. Fico nos digifolhetos do hipertexto virtual. A estrutura cultural burguesa, dominada pelas elites, é toda voltada para o entretenimento, espetáculo, o show, novelas, o midíático, factóides culturais e para a indústria do rock, do brega, do sertanejo alienante da pior qualidade e de tudo o que é determinado pelas grandes editoras, produtoras e gravadoras comerciais e globalizantes. O livro tornou-se mero produto de marketing.
06 - Em que você busca inspiração na hora de criar um Cordel?
GD - O cordelista está ligado diretamente ao cosmo da poesia, à mente da poiesis, das musas, das divindades do verso. No meu caso, além da inspiração ocasional, há a transpiração contínua e cotidiária. Há muito suor e epsquisa e um estudo permanente dos grandes mestres da poesia tradicional e dos grandes cordelistas e poetas como Castro Alves, Leandro Gomes de Barros, Patativa do Assaré, Rodolfo Coelho Cavalcante, Cuíca de Santo Amaro, Ivanildo Vilanova, Oliveira de Panelas, Catulo, Otacílio, Dimas e Lourival Batista, Juvenal Galeno, Cego Aderaldo, Cora Coralina e tantos outros. É fundamental a boa leitura de tudo o que for possível: livros diversos, jornais, revistas, boltins, fanzines, internet. Vejo bons programas de tv, programas jornalísticos, entrevistas, debates, musicais. Sempre ouço vários rádios e os principais informativos radiofônicos. Me inspiro no povo, na nossa brava gente, em suas lutas e sofrimentos em busca da sobrevivência nesse mundo cruel e apocalítico.
07 - O Cordel, pra você, é a literatura genuinamente brasileira? Há quem acredite ser exclusivamente nordestina. Você concorda?
GD - As origens do Cordel são eruditas, européias, francesas, provençais com influência alemã e mediterrânea. Bebeu na cultura árabe e depois se enriqueceu com a cultura romana, Por último conquistou a Península Ibérica( Espanha e Portugal). Foi aí que essa literatura ganhou forte influência da cultura hispano-portuguesa. Depois veio para o Brasil, via Slavador-Bahia e e adentrou-se pelo Nordeste, via portos do Recife e pelo Rio São Francisco, com as minerações/garimpeiros e o Ciclo do Gado, com a presença dos vaqueiros. Aí ganhou o Sertão e o mundo, com a magia dos poetas cordelistas e dos cantadores repentistas. Agora torna-se universal e globalizada pela cibernética, via hieprtextos da internet.Webdomadário.
08 - Como se comportam a mídia e o governo em relação aos cordelistas? Há divulgação? Há políticas públicas de incentivo à produção?
GD - Pelo menos aqui em Brasília, que eu conheça, não existe quase nada. Tem a Casa do Cantador, em Ceilândia que é voltada mais para o repentista e para festivias ocasionais com cantadores de outros estados. Não conheço a política cultural da Casa do Cantador...Será que tem?! Não conheço nenhuma política pública que incentive produção, edição, distribuição e divulgaçao da literatura de cordel em Brasília. Se existir, eu desconheço. Brasília não tem Instituto do Livro, nem editoras especializadas na temática do Cordel. Quanto a mídia brasiliense... é mais voltada para a cultura do espetáculo, do show, do erudito e do já estabelecido. Só retrata a cultura canonizada e determinada pelo comercial, pelo marketing e pela propaganda. O bestirol comercial... Está tudo relacionado com a política cultural global da elite, que determina o que se ouve, o que se fala e o que se vê. Há uma tendência de se ocultar o mundo da poesia. Só alguns afortunados e amigos dos editores jornalísticos e dos produtores culturais midiáticos é que conseguem algumas migalhas jornalísticas. Só para testar e guardar em meus registros, envio sempre meus textos e relises para os jornais e para a mídia eletrônica e nunca recebo resposta. Tenho a impressão que ninguém lê nas redações e parece que vira lixo eletrônico e lixo real, como os própios jornais depois de lidos, tornam-se material descartável. Descartar gente é uma coisa mais complicada do que descartar papel. Parece que é a sina dos poetas...Será?! Até quando o preconceito e o vil desrespeito?! Corre a boca pequena que os relises iriam direto para a lata de lixo de certas redações, ou para as lixeiras dos computadores. É preciso investigar os boatos...Falta jornalismo investigativo na cultura... Certa vez dois desses "epígonos", sorumbáticos, macambúzios e absconsos "periodistas" de ocasião me disseram o seguinte: "Se você publicar pela Companha das Letras, nós te daremos uma página para divulgar o seu trabalho"... pobres coitados...Quanta midiocridade...Quanta desfaçatez. Nem sabem disfarçar a subserviência e o colonialismo de suas mentalidades preconceituosas.
Isso foi em 1997. Aí eu entendi tudo. Para bom entendedor meia palavra basta, não é mesmo?!...Dizem que tem jabaculê na jogada?!...Só Deus sabe. Sofri um processo sistemático de censura e boicote devido as minhas posições contrárias ao "Establi$hment". De vez em quando, com muita sorte e com a colaboração de alguns jornalistas menos comprometidos com o "status quo" , se consegue furar o terrível bloqueio editorial e midiático...Haja midiocridade...É o reino da midiocracia...A deusa mídia impõe a sua vontade...Coitado de quem entrar no índex inquisitoial dos feitores cibernéticos.
09 - Como é o retorno do público leitor de cordéis?
GD - Excelente. Recebo centenas de emails dos meus leitores e os mais significativos disponiblizo no livro de visitas do meu site: www.gustavodourado.com.br Tenho leitores em todos os estados do Brasil e até em outros países como Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Espanha, Portugal, Canadá, México, Austrália, Suiça, China, Índia, Japão, Coréia, Israel, Egito, Palestina, Irã, África do Sul, Argentina, países árabes e muitos outros etc.
Consegui publicar em importantes portais e sites da internet como: Unesco, Triplov, Cronópios, Jornal de Poesia, Blocos, Cordel Campina, Poem Hunter, Contemporary Beatnik, Vânia Diniz, Sala de Poetas, Luna e Amigos, SEDF, ABLC, Cordel, Via Fanzine, Poetas del Mundo, O Brasileirinho, Usina de Letras, Planeta Literatura, Overmundo, Observador Cultural, Abrali, AVBL, Poems About, Webdomadário, Palavreiros, Dream Magic, Palavrarte, Garganta da Serpente, Verdes Trigos, Poesia Pura, Casa da Cultura, Cantinho da Poesia etc. Quem quiser conhecer mais espaços, sites e portais onde publiquei, favor verificar em:
www.gustavodourado.com.br/links.htm
10 - Vale a pena ser cordelista?
GD - "Tudo vale a pena se alma não é pequena", como dizia o mestre Fernando Pessoa. Cordelistas geralmente são mahatmas, tem almas grandiosas e espíritos revolucionários. Vale muito a pena ser cordelista e resistir aos males da subcultura.
11 - Na sua opinião, o cordel é um elemento da cultura popular de resistência ao bombardeio da modernidade e da mídia, que prioriza o entretenimento?
GD - O Cordel é como mandacaru que resiste às agruras da seca. Por isso ele se adaptou tão bem no sertão nordestino. A midiocridade tomou conta de tudo. A subcultura do rock domina os cadernos de cultura dos jornalões e dos jornalinhos. Na tv e no rádio não é diferente. Primeiro o comercial, depois a arte, se possível... Criam-se a todo instante mitos e pop-stars de araque que se quebram a cada giro da roda da fortuna. É preciso educar o povo para combater essas futilidades do mundo contemporâneeo, a cultura do fácil, do entretenimento e do pasteurizado.
12 - Se o Cordel passasse a ser considerado um elemento da cultura erudita ou se massificasse, ele perderia suas principais características? Quais são as características do Cordel?
GD - O cordel veio do erudito, dos trovadores provençais, dos reis-trovadores, das gestas, da cultura cavalheiresca, de El Cid, Dom Quixote, Gil Vicente, Dom Diniz, Dom Duarte. O cordel é universal e cósmico. Podemos dizer que Guimarães Rosa, Dias Gomes, Ariano Suassuna e Jorge Amado, são grandes cordelistas da prosa, do teatro e do romance tupiniquim. Não podemos esquecer de João Cabral de Melo Neto, Graciliano Ramos, Rachel de Queirós, Chico Buarque de Holanda e Luís da Câmara Cascudo, nomes de destaque de nossa cultura. Luiz Gonzaga, Raul Seixas, Glauber Rocha, Elomar e Zé Ramalho são nomes importantes que foram influenciados pela cultura cordeliana. O cordel está presente em Mário de Andrade, Villa-Lobos, Ferreira Gullar, Torquato Neto, Capinan e até nos tropicalistas Gil e Caetano. Para mim as principais características do cordel são o seu dinamismo e o seu poder de persuasão e encantamento, é quase mágico. O cordel é uma forte expressão da alma do povo brasileiro.
13 - Para você, o cordel tem que ser um instrumento que levante questões e problemas sociais ou deve ser encarado apenas como uma expressão artística?
GD - Deve ser uma mistura desses dois aspectos. É uma expressão artística com estética revolucionária que questiona e revela as mazelas da sociedade, costumes, medos e sonhos do ser....
14 - Qual o papel da Literatura de Cordel hoje, em nossa sociedade?
GD - Cultura de resistência contra a alienação e antídoto contra o aparthaid cultural que nos é imposto pelas elites e pelos meios de comunicação de massa dominados pelas multinacionais da indústria cultural. O cordel está na música, no cinema, na literatura, nas artes em geral. Há cordel de todos os tipos, com várias tendências. Pode-se falar em Cordelismo como movimento cultural de resistência.
15 - Conte como é o processo de produção material do Cordel. Ele se "industrializou"? Se "modernizou"?
GD - O cordel tradicional ainda é feito em algumas cidades do Nordeste e resiste bravamente em Campina Grande, Caruaru, Juazeiro do Norte, Mossoró, Teresina, Imperatriz, Recife, São José do Egito, Bezerros, Arapiraca, Irecê, Feira de Santana, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, Ceilândia, Brasília e por tantos outros lugares. Há um outro lado do cordel, o cibercordel, o cordel na internet. Aí o cordel se modernizou sem perder as suas características poéticas. Centenas de poetas de cordel estão na grande rede em verdadeira guerra de guerrilhas contra o dragão da maldade do capitalismo globalizado e da alienante desilusão midiática.
16 - E a xilogravura, qual sua importância para o Cordel? Todo Cordel tem que ter xilogravura?
GD - A xilogravura é independente do cordel. É um acessório importante para quem quer fazer uma boa ilustração. Não é obrigatório. Hoje já temos as eletrogravuras e outros recursos inovadores. São poucos os bons xilogravuristas e muito raros em Brasília. É uma arte preciosa, ganhou projeção internacional e é muito importante para o cordel tradicional. Na internet se faz formatações belíssimas de cordéis e temos artistas de alto nível como Toninho de Sousa. Fizemos juntos o livro Phalábora, com xilogravuras eletrônicas, eletrogravuras e inovações informáticas.
Quem quiser conhecer pode visitar:
http://phalaborarte.cjb.net
www.ebooks.avbl.com.br/biblioteca1/gustavodourado.htm

 

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