Entrevista do poeta e cordelista Gustavo
Dourado à jornalista Michelle Moreira
01
- O uso da internet não destoa do sentido da Literatura de
Cordel?
GD - Não. A literatura
de cordel adaptou-se perfeitamente à Internet. Ganhou um novo
ritmo e mais autonomia e independência.
Com a Internet, o cordel conquistou uma divulgação mais ampla
e alcançou um público mais abrangente, principalmente estudantes
e jovens leitores. Antes o cordel era tido como uma coisa
meio folclórica, hoje ele se tornou uma escola e base para
centenas de monografias, teses de mestrado e doutorado e ponto
de apoio para os diversos segmentos da criação artística como
a música, o teatro, as artes plásticas, o cinema e outras
linguagens artísticas.
02
- Muito usada no passado como fonte de informação para um
público que tinha acesso escasso a mesma, ou o que aconteceu
foi uma adaptação do Cordel ao aparato digital na tentativa
de difundir o mesmo também para as classes mais ricas, ao
mesmo tempo que contribui para a preservação dos folhetos?
GD - poesia de cordel
ganhou com o advento da Internet e adaptou-se à linguagem
digital e virtual. O mesmo ocorreu com o jornalismo impresso
e com as antigas formas editoriais que gradativamente renovam-se
e ganham nova feição como os textos eletrônicos e livros virtuais.
Vai chegar um tempo, que urge, que qualquer leitor poderá
fazer o seu próprio jornal, revista ou livro eletrônico. As
matrizes já estão sendo formatadas e as sementes já foram
plantadas pela Microsoft, Google, Yahoo e outras empresas
eletrônicas. Hoje nós temos os folhetos virtuais e os opúsculos
antigos são escaneados e digitalizados para as bibliotecas
eletrônicas e para os bancos de dados digitais. Daqui de Brasília,
o meu trabalho poético de cordel virtual já foi objeto de
estudo em vários países da Europa, Ásia, África, América Latina,
Austrália e até nos Estados Unidos. Sem a Internet seria praticamente
impossível. As antigas editoras são muito conservadoras e
seletivas e não investem em poesia, a não ser nos cânones
já estabelecidos. A mídia convencional é mera reprodutora
comercial e publicitária dessa forma arcaica e ultrapassada
de divulgação cultural. Se eles não se adaptarem ao novo processo
digital logo logo serão tombadas como peças de museu. Boa
parte delas já perceberam o vacilo e aos poucos mergulham
nas águas do universo digieletrônico. Para o cordel a Internet
foi um marco. O cordel terá que ser visto e pesquisado sob
a nova ótica da linguagem virtual. Ainda serão publicados
folhetos tradicionais por um bom tempo, só que a tendência
será cada vez mais que os novos poetas venham utlizar a Internet,
o celular, cd, dvd e novas tecnologias independentes e alternativas
midiáticas de divulgação.
Não tem outra saída. Ou usa-se a Internet ou publica-se o
texto tradicional a um custo exorbitante e quase proibido
para o cidadão comum. A Internet democratiza e quebra a velha
estrutura dos cânones acadêmicos, midiáticos e editoriais.
03
- Quem é esse novo leitor de Cordel on-line?
GD - O novo leitor é
o internauta de diversos níveis. É o estudante, o pesquisador,
a dona de casa, o educador e o jovem. Nada impede que um leitor
tradicional possa utlizar o cordel na Internet. Recebo mensagens
de leitores de todos os níveis que querem saber mais sobre
a literatura de cordel. São leitores e interessados de todo
o Brasil e muitos do exterior. É mais fácil para eles usarem
um site de busca, tipo Google, Yahoo, MSN e fazerem uma busca
e encontrar centenas de textos, poemas, cordéis, biografias,
xilogravuras. O cordel antigo é mais difícil de encontrar.
É mais acessível no Nordeste e em algumas metrópoles como
São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, onde é marcante a presença
do público nordestino.
Hoje quase todo mundo tem um computador em casa, no escritório,
na escola. Quem ainda não tem pode usar em centros comerciais,
lanhouses, na casa dos amigos, vizinhos e parentes. Cada vez
mais a Internet se propaga e com ela o cordel ganha espaço
e torna-se cada vez mais conhecido.
04
- O cordel pode ser visto como Jornalismo Popular? por quê?
GD - O cordel nasceu
como jornalismo popular na Europa medieval, no início da tipografia
e com o advento da imprensa gutenberguiana na Alemanha. Depois
ganhou o mundo via França, Itália, Espanha, Portugal, Inglaterra.
A poesia de cordel que era oral em Provença-França e em outras
localidades, com a editoração e a prensa foi divulgada pelo
mundo afora e tornou-se um autêntico veículo do jornalismo
popular, principalmente no Nordeste do Brasil. Com a Internet
e a forma poética tradicional e as imagens virtuais, o cordel
tornou-se um instrumento dinâmico de criação e de divulgação
de fatos e eventos cotidianos, além de resgatar textos antigos
e históricos. Por esses e outros aspectos o cordel é um autêntico
meio de divulgação que tem elementos para conquistar a essência
de jornalismo popular. Vamos esperar o tempo passar e ver
se com as novas linguagens o cordel se transformará e alcancará
cada vez mais o coração do povo. Acredito cada vez mais nessa
hipótese.