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Efervescência cultural dos anos 70 e seus reflexos nos jovens de Gurupi
(por Maria Félix Fontele)

No final da década de 60 e inicio dos anos 70, era comum a passagem de andarilhos pela cidade de Gurupi. Tinham os cabelos longos e carregavam mochilas nas costas. Eram conhecidos como hippies. O despojamento e a maneira livre de viverem chamavam a atenção de jovens adolescentes, carentes de novidades e de emoções. Aqueles andarilhos seriam, certamente, os remanescentes do movimento Peace and Love, que pregavam uma revolução individual de costumes, cujas palavras de ordem como "é proibido proibir", "podes crer", "aqui e agora" e "paz e amor" mobilizavam multidões de jovens e intelectuais em diferentes partes do mundo, com maior força até os anos de 1967, 1968 e 1969. A partir dali, surgia no lugar do movimento hippie o Partido Internacional da Juventude que lançou, em seguida, a figura do yippie (hippie politizado).

O mundo ocidental experimentava os tempos do existencialismo de Sartre e Simone de Beauvoir, da Primavera de Praga, das manifestações em Paris, do movimento estudantil, dos festivais e da influência romântica revolucionária do mito Ernesto Che Guevara, morto em 1967; e dos remanescentes beatniks, poetas e visionários influenciados por Walt Whitman.
Em Gurupi, a mil quilômetros da capital do Brasil, com poucos meios de comunicação, os reflexos dos acontecimentos mundiais e nacionais chegavam bem mais tarde. Quando o movimento hippie, com sua sociedade alternativa e estilo de mobilização e contestação social, começava a declinar mundialmente, em Gurupi era ainda uma novidade. A Guerra do Vietnã (1964-1975), que ceifava a vida de milhares de jovens norte-americanos e vietnamitas, era timidamente comentada pelos estudantes da cidade. Sabíamos das coisas pelo rádio, mas o período era de censura política e de repressão ao pensamento.

No Brasil, em plena ditadura militar e sob a vigência do AI-5, festejava-se o milagre econômico. Os brasileiros andavam em fusquinhas com adesivos Ame-o ou deixe-o e cantavam a música Eu te amo meu Brasil. Comprávamos as revistas O Cruzeiro e Manchete que tratavam dos acontecimentos de maneira artificial, sem muito aprofundamento. Contudo, sabíamos que havia algo de estranho no ar além dos aviões de carreira.

Os maiores reflexos em nossas vidas foram na área artístico-cultural. A efervescência de novas idéias, as transformações musicais, o rock, os Beatles, a Bossa Nova, a Jovem Guarda, o Tropicalismo, a moda psicodélica, a minissaia, tudo isso era absorvido facilmente por nós. Então, preenchíamos nosso tempo com informações sobre música, cinema, teatro e literatura. Líamos o que achávamos. Fazíamos até concurso para saber quem tinha lido mais livros de bolso. Nas festinhas, éramos embalados pelas músicas dos Beatles, de Bob Dylan, Led Zeppellin, Rolling Stones, também de Elvis Presley e The Platters, entre outros. Conhecíamos, aos poucos, a música de Chico Buarque. Sua memorável Construção, composta em 1971, dava tons concretos à realidade dura dos brasileiros das classes mais populares.

O cenário artístico brasileiro, especialmente na música, estava numa fase de grande criatividade. Os festivais de música e concertos de rock lançavam talentos nacionais e internacionais. Jimmy Hendrix, Janis Joplin, Ravi Shankar e The Who surgiram nos festivais dos anos 60, com destaque para Monterey (1967), e Woodstock (1969). No Brasil, consolidavam-se os nomes de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Edu Lobo, Gal Costa, Maria Bethânia, Nara Leão, Francis Hime, Vinicius, Toquinho e Tom Jobim. A música A Banda, de Chico, uma das ganhadoras do II Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, tornava-se popular; bem como a canção Prá não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, que se tornou hino da oposição.

Nesse clima de ebulição cultural e criativa, um grupo pioneiro de jovens, iniciou, em Gurupi, um período de festivais de música, a partir de 1970. Foi uma época rica, cheia de imaginação e euforia. Queríamos nos comunicar, levar uma mensagem de alegria e de emoção por meio da arte musical e da criação artística. Discutíamos música, respirávamos música. As canções nasciam da imaginação e se transformavam em ritmo. Os interessados uniam-se em torcidas.

Participei uma vez do festival, como compositora. Fiz a música Como as flores, defendida pelo cantor Daniel. A música foi classificada durante os dois primeiros dias. No último dia, na finalíssima, o cantor "esqueceu" a letra da composição. O júri pediu que ele repetisse, mas o mesmo não conseguia lembrar de toda a letra. Resultado: recebi uma medalha de menção honrosa. Depois disso, fui estudar em Brasília e, em seguida, em Goiânia. Foi muito bom ter participado daquela geração que contagiou a cidade com seus sonhos musicais. Como sempre gostei de escrever e tinha preocupação com as questões sociais e culturais, optei, em 1976, pelo curso de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás. Outros festivais foram realizados, mas, aos poucos, desapareceram, impelidos pela força dos acontecimentos.

O que ficou foi muito importante e de grande significado histórico. Quem sabe, aqueles jovens que estudavam, criavam, gostavam de cinema, de poesia, de teatro e tinham fé na vida, não serviram de inspiração para as novas gerações? Essa é apenas uma reflexão. O certo é que desde aqueles tempos, a cidade de Gurupi abrigava uma geração de homens e mulheres jovens e talentosos e ao mesmo tempo sensíveis à natureza, à arte e à beleza; ao amor e à vida! Não é demais?

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