Busca
Home
ENTREVISTAS



Literatura de cordel ainda é cultivada em Brasília


"A dualidade é uma constante na arte e na vida". Esta frase de Gustavo Dourado demonstra o poeta que transita em um espaço sem limites, onde a certeza está na multiplicidade de temas que ele aborda e pela carga de experiência trazida para os dias atuais. Baiano de Ibititá, com 48 anos, ele já publicou 11 livros, mas diz que não busca lucro com a literatura. Em entrevista, ele revela fatos importantes sobre sua opção literária preferida: o cordel.

Ana Jacqueline – O senhor é escritor, poeta, cordelista, jornalista, pesquisador, membro da Academia Virtual Brasileira de Letras. Enfim, tem uma vasta carreira e em áreas diferentes. Para quem o senhor escreve? Qual é o seu público?
GD - Eu não penso num público específico, escrevo à vontade fundamentado em minhas pesquisas e em meu conhecimento, para que as pessoas conheçam, gostem, critiquem e leiam. Eu diria que escrevo para quailquer pessoa, para quem gostar de cordel e de poesia. Tudo está disponível na internet gratuitamente,www.gustavodourado.com.br para todo mundo usar, pesquisar e divulgar. Parece de certa forma, uma contradição ao capitalismo, mas foi a opção que eu tive. Não tenho intenção em ganhar dinheiro com literatura. Meu objetivo é divulgar ao máximo para os jovens estudantes e fomentar a leitura, desenvolvendo a cultura e a arte popular.
Ana Jacqueline – Das várias dimensões artísticas sobre as quais o senhor escreve, qual é a preferida?
GD – Eu bebo em várias fontes experimentais, mas minha grande paixão é a literatura popular, o cordel, que é a linguagem do povo do interior, do sertão, diria até que é uma linguagem universal. Vários escritores, como Guimarães Rosa, Ariano Suassuna, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, Mário de Andrade, João Cabral de Melo Neto,Manuel Bandeira, Graciliano Ramos, Cora Coralina etc.. Muitos dos nossos grandes escritores têm a influência do cordel. Eu aprendi a ler e fazer cordel aos três anos de idade, com o apoio do meu pai Ulisses Marques Dourado e da minha mãe Edelzuíta de Castro Dourado, lá nos rincões de Recife dos Cardosos de Ibititá, na Chapada Diamantina Setentrional. O cordel tornou-se uma linguagem peculiar para nosso povo. Por muito tempo foi o jornal do povo sertanejo nordestino.
Ana Jacqueline – No lugar onde você nasceu e foi criado, culturas como a de saberes populares (o cordel, por exemplo) sempre foi visto como uma tradição. Atualmente, na Bahia, esta cultura ainda é vista com bons olhos ou o espaço já foi ocupado pela mídia?
GD – Em geral o Nordeste resiste um pouco. Luta pela sobrevivência da poesia popular. Entretanto, os meios de produção são difíceis, justamente por falta de apoio e de divulgação. Hoje o cordelista tem que se adaptar, tem que criar seus próprios meios. Tudo depende da economia e de recursos disponíveis. A grande mídia global praticamente ocupa todos os espaços e dificulta a divulgação das ditas culturas regionais. Há uma imposição cultural do eixo Rio-São Paulo sobre as outras cidades e regiões brasileiras. A resitência ainda existe. A internet é uma realidade.
Ana Jacqueline – Com tanto tempo em Brasília, o modo como o senhor escreve o cordel mudou?
GD – Eu não diria que mudei, dei uma "calangueada", que é essa coisa do Cerrado, porque peguei as influências de Brasília, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e de outros Estados do país. Não se perdi a essência, até porque escrevo sempre em sextilhas tradicionais, a mesma forma praticada pelos cordelistas do Sertão. O que tem a mais é mesmo a questão do conhecimento, da cultura que eu não tinha até aquele momento que eu era menini, aprendiz. Afirmo que "a sua obra é representação do seu aprendizado no dia-a-dia", logo, Brasília me trouxe essa coisa da modernidade. Você tem que se adaptar à realidade. Faço uma espécie de cordel rurbano. Cidadeio a ruralidade poética da literatura de cordel com temas urbanos e atuais.
Ana Jacqueline – Quais são os obstáculos que você encontra para difundir a literatura de cordel tanto na internet quanto fora dela?
GD – As condições para se publicar um livro são muito caras e difíceis. Você tem que pagar tudo e não tem distribuição do livro. Brasília é uma cidade que tem muitas gráficas, mas não tem divulgação, não tem editoras, distribuição zero, as livrarias não adquirem os seus livros, as pessoas não compram. Aqui, apesar de ser considerada uma cidade com vasto índice de leitura, as pessoas não valorizam a cultura brasileira, caso do cordel. Então, a internet "salvou a lavoura". A mídia nos ignora, tudo o que eu fiz foi por conta própria. Não se tem apoio para esse tipo de cultura popular.
Ana Jacqueline – O escritor brasiliense tem tido espaço para a publicação de suas obras?
GD – Eu não digo o escritor brasiliense, porque têm alguns que conseguem, aqueles que falam a linguagem da mídia, que não questionam nada, que não criticam, sempre têm espaço. Agora aqueles que têm uma posição crítica sobre o sistema são sempre jogados pra escanteio. Então o que falta é uma democratização do espaço e da cultura. Eu diria que há uma apartheid cultural, tudo está concentrado no Plano Piloto, enquanto que nas cidades-satélites não se tem quase nada. Há carência de cinemas, teatros, livrarias e bibliotecas. Não querem que o povo leia, se informe ou tenha uma educação de qualidade. Promovem uma "mídiocridade" que dá dó, fomentam a banalização do indivíduo. É tudo muito repetitivo, tv, novelas, big-brothers e eventos de baixo nível.

 

voltar