A
Aventura do Livro
(por Maria Lindgren)
A AVENTURA DO LIVRO – do leitor
ao navegador
de Roger Chartier
Conversações com Jean Lebrun
Tradução
Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e Editora UNESP, 1999
http://www.cronopios.com.br/site/resenhas.asp?id=297
São muitos os aspectos a serem ressaltados no livro A aventura
do livro – do leitor ao navegador, a começar pelo esmero desta
edição de 1999, desde a bonita capa, que concilia o antigo e o
novo, numa amálgama condizente com o conteúdo desenvolvido.
O próprio título dado ao livro indica ao leitor o que o espera:
uma bela e longa aventura histórica. O conteúdo é organizado como
um diálogo, constituído, de fato, por uma provocação em poucas
linhas e uma grande resposta. Desde o sumário, através de capítulos
bem ordenados, é facilitada ao leitor a compreensão, a saber:
Prólogo: A revolução das revoluções?; O autor entre
punição e proteção; O texto entre autor e editor; O
leitor entre as limitações e liberdade; A leitura entre
a falta e o excesso; A biblioteca entre reunir e dispersar;
O numérico como sonho universal.
O “didatismo”, no entanto, não impede o desenvolvimento competente
das idéias, nem a beleza da edição ilustrada por quadros coloridos,
nos quais impera o texto escrito e o prazer da leitura, desde
o século I (p.14), até o século XIX, fotos e gravuras em preto
e branco, como por exemplo, a que retrata a industrialização inicial
do livro impresso, em 1900 (p.111); a figura do escrevente público
do sexo masculino, escrevendo a mão, no século XVIII (p.102),
em contraste com a mulher do pósguerra dos anos XX (p.103), utilizando
a máquina de escrever, em flagrante avanço. Difícil não lembrar
da escritora contemporânea de cartas outra vez manuais, do filme
Central do Brasil, dos dias de hoje; a biblioteca multimídia do
conhecido Centro Pompidour, de Paris (p.125) na qual a tela do
cinema e do vídeo são destacados, mas não ainda a do computador.
E, até mesmo, a reprodução fotográfica de escritos manuscritos
ou impressos, em que o leitor interfere com suas notas e correções,
além do frontispício do século XVIII, que aparece como Prospectus
de L´Encyclopédie ou du Dictionnaire raisonné dês sciences, dês
arts et dês métiers.
A pergunta-título do prólogo, A revolução das revoluções? evidencia
o questionamento em relação à revolução eletrônica como única,
uma vez que o olhar do historiador sobre o passado nos revela
uma cultura escrita plena de invenções e revoluções, como a de
Gutenberg, por exemplo.
O livro trata fundamentalmente da evolução da cultura escrita,
do registro escrito, desde seu formato inicial de manuscrito em
rolo, ilustrado pela figura de mulher do século I, em Pompéia
(p.14), passando pelos manuscritos costurados a mão, reproduzidos
em cópias também manuais, herdados estruturalmente por Gutenberg
(distribuição dos textos em páginas, numeração, índices e sumários),
até o livro impresso moderno para, finalmente, chegar ao texto
eletrônico. Uma “senhora” ruptura, sem dúvida, com suas vantagens
e desvantagens.
O passeio a diferentes séculos de escrita e leitura é muito prazeroso
e nos faz meditar, tanto sobre “a forte continuidade entre a arte
do texto manuscrito, a caligrafia e o caractere impresso”, quanto
sobre o livro na tela, um objeto que não pode ser manuseado, seguro
em várias posições como o livro impresso, pois a tela o afasta
do corpo do leitor, obrigando-o a uma posição fixa, sem a intimidade
do texto impresso.
Examinam-se diferentes papéis e funções da escrita e da leitura,
à luz da história, apontando-se semelhanças e diferenças nos modos
atuais de tratar crítico, autor, editor, bibliotecas, sempre reportando-se
a outros tempos, mesmo os infelizes, nos quais autor e textos
foram destruídos por perigosos.
Repetindo palavras da contracapa da presente edição, “ a internet
faz renascer o sonho de universalidade no qual toda a humanidade
participa do intercâmbio de idéias”, mas será que o realiza?
Recomenda-se a leitura do texto de Roger Cartier[2],
instigado por Jean Lebrun[3],
principalmente aos escritores e leitores que apostam todas as
fichas no livro eletrônico, concordando-se com o autor que “é
preciso assegurar a indestrutibilidade do texto pelo maior tempo
possível, através do novo suporte eletrônico... A biblioteca eletrônica
sem muros é uma promessa do futuro, mas a biblioteca material,
na sua função de preservação das formas sucessivas da cultura
escrita, tem, ela também, um futuro necessário.” (p.153)
Maria Lindgren é escritora, autora de Uma Rolha na Lágrima,
coletânea de contos e crônicas.
E-mail: m-lindgren@uol.com.br
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