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DE JUNHO DE CHICO BUARQUE
(por Luiz Alberto Machado)
Era eu ainda menino quando cantarolava
Carolina, A Banda, Januária, Bom Tempo, canções essas que embalavam
a minha já múltipla percepção, tagarela que era de cantar Luiz
Gonzaga, Noel Rosa, Cartola, Lupicínio, Roberto Carlos e de arremedar
Beatles e outros sucessos do momento. Mas foi A Banda que, enxerido
maluvido que sempre fui desde peraltinha da beira do rio, repetia
para as frochosas do lugar: "...a namorada que contava as estrelas
parou para ver, ouvir e dar passagem... a moça feia debruçou na
janela pensando que a banda tocava pra ela...". Ôxe, era o que
eu mais solfejava.
Quando ganhei o vinil de Construção, eu ainda nem tinha tirado
a catinga do mijo. Era ainda um precoce tagarela que nem tinha
alcançado direito à adolescência. Verdade, Nem direito adolescente
era.
E foi com Construção que aprendi a ouvir Chico Buarque. Ouvir,
cantarolar e ficar arranhando no violão Sabiá, Apesar de Você,
Angélica.
Os que me rodeavam, tiveram que ter paciência para me ouvir enrolar:
"Roda mundo, roda gigante, roda moínho, roda..." ou mesmo "Não
chore ainda não que eu tenho um violão e nós vamos cantar um samba
tão imenso que eu às vezes penso que o próprio tempo vai parar
pra ouvir.... olê, olé, olê, olá...". ou, ainda "Deixe em paz
meu coração que ele é um pote até aqui de mágoa e qualquer desatenção,
faça não, pode ser a gota d´água". E não fiquei só nisso, li Fazenda
Modelo. Depois Calabar, o elogio da traição e curti todas as músicas
da parceria Chico & Ruy Guerra. Desde Vence na vida quem diz sim
até a Ana de Amsterdã, Bárbara, Cala boca, Bárbara e, claro, como
não poderia deixar de ser, Fado Tropical: "Ó musa do meu fado,
ó minha mãe gentil, te deixo consternado no primeiro abril, mas
não sê tão ingrata, não esquece quem te amou, de quem numa bravata
se perdeu e se encontrou, ai, essa terra ainda vai cumprir seu
ideal, ainda vai tornar-se..."
Em seguida, Gota D´Água, com Paulo Pontes na releitura de Eurípedes
na tragédia de amor de Jasão e Joana.
A Ópera do Malandro, relendo Brecht com notáveis canções como
o Hino de Duran e a Geni e o Zeppelin.
Enfim, de Estorvo até Budapest.
E não adianta falar muito da obra de Chico Buarque porque ela
fala por si mesma. Além do mais, tem livro a fole por ai que esmiúça
a obra dele.
Bem, o que quero dizer é que conheci o Chico que falava do Rio,
do Redentor, de Ipanema, Copacabana, falando num Partido Alto
toda índole do Malandro e da Derradeira Estação: o Chico Buarque
do Rio de Janeiro.
Com ele vi o cronista participante que gingava no futebol esperando
o carnaval chegar, sambando dia e noite no meio dos sonhos de
um cordão imenso e libertário para construir uma idéia que se
fizesse justiça e liberdade em todo território nacional: o Chico
Buarque do Brasil.
E vi a lírica de embalar a alma feminina, como também de acalentar
o filho deserdado da vida, do desterrado sem terra para morrer,
de cantares de esperança inatingível: o Chico Buarque da Poesia
da Vida de todos os seres. Outros personagens se incorporaram
nele, todos no tom do brasileiro, do poeta, do cantor libertário
que continua sendo a voz autêntica da resistência e da luta para
um mundo melhor para todos: esse, simplesmente, Chico Buarque
de Holanda. Parabéns, mestre Francisco.
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