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Dez anos sem o maluco beleza

Raul Seixas voltou à cena, à mídia diária, de forma inusitada. No momento em que o Brasil se preparava para lembrar os dez anos de morte do cantor e compositor, o senador Antônio Carlos Magalhães foi mais rápido no gatilho: puxou uma peça discursiva em defesa de seu projeto de combate à pobreza ao parodiar uma música do mentor da Sociedade Alternativa, o profeta do rock: “Eu devia estar contente porque tenho um emprego, sou um dito cidadão respeitável que ganho R$ 7 mil por mês. Eu devia agradecer ao Senhor por ter sucesso na vida como político. Eu devia estar alegre e satisfeito por morar em Salvador, na minha amada Bahia. Eu tenho uma porção de grandes coisas para conquistar. Eu não posso ficar aí parado”. Muitas pessoas ficaram boquiabertas com a desenvoltura do senador. Teve gente que não entendeu nada. Mas certamente o maluco beleza, se estivesse vivo, iria entender. Afinal, ele mesmo dizia: “Prefiro ser essa metamoforse ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.

O rebelde nato, o demolidor e anarquista por excelência, continua a inspirar novas e velhas gerações. Tinha profundidade: “Sou largo, raso e profundo” ou “o início, o fim e o meio”. Foi influenciado por Bob Dylan, Beatles, Elvis Presley, Aleister Crowley, Jerry Lee Lewis, Jackson do Pandeiro, Bill Halley e Luiz Gonzaga. Era temperamental, sensível, nervoso. Viveu intensamente e, por isso mesmo, morreu cedo. Mas seu sonho era ser eterno.

Foi filósofo da Nova Era. Cavaleiro do Apocalipse. Raul Seixas foi tudo. Uma mistura de niilista, estudioso, hipocondríaco, compositor popular, poeta surrealista, esteta, agnóstico. E foi, antes de tudo, profeta da rebeldia: “A desobediência é uma virtude necessária à criatividade”. Raulzito – como era chamado pelos os íntimos – morreu mas deixou um séquito de admiradores. Tantos os que tentavam imitá-los quanto os que não tinham coragem de fazer nada o que ele pregava.

Nasceu na Bahia, em 28 de junho de 1945. Influenciado pela subcultura do rock formou seu primeiro conjunto em 1957 em Salvador. Perambulou pela Bahia durante dez anos quando cantou em boates, clubes e rádios. Enquanto isso, estudava Direito, Psicologia e Filosofia. Mas optou pela música e não concluiu os cursos. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1967 mas não conseguiu, como queria, lançar o primeiro disco. Só em 1970, em trabalho conjunto com Sérgio Sampaio, Edie Cooper e Miriam Batucada, lançou o LP Sociedade da Grã-Ordem Kavernista.
Iniciou uma carreira meteórica como rebelde e profeta maldito. Mas tinha consistência. Admirava os repentistas, aprendeu Inglês com os filhos dos americanos que trabalhavam na Petrobrás, na Bahia. Lia a Bíblia várias vezes. E também aprendeu latin lendo Metamorfosis, de Ovídio. Leu Sartre, Schopenhauer, Augusto dos Anjos, Kafka, Gregório de Matos. Considerava-se um materialista dialético. Dizia que algumas vezes acreditava em Deus. Lembrava da época em que foi internado em um convento de padre aos 14 anos e que foi levado a um psiquiatra com prenúncio de loucura.

Loucuras à parte, o certo é que Raul Seixas viveu intensamente. Se debruçou no conhecimento dos livros. Bebeu na fonte da inquietação dos agitados anos 70. Era expert em frases. Certa vez disse: “Sou escritor por excelência, ator por desejo e compositor por raiva”. Dizia ainda: “O brasileiro não faz história, ele é um espectador da história”.

Sobretudo, Raul se sentia um incompreendido. Reclamava da falta de apoio e de reconhecimento da mídia e do sistema. E, principalmente da crítica. Sobre os críticos disse: “São uns idiotas bitolados. Ficam sentados atrás de uma mesa de redação ou atrás de perguntas programadas por minicassetes. Não movem uma palha porque não sabem mover e quando alguém move eles não entendem. São tão perigosos como dos donos do poder. São tão doentes quanto a sociedade”.

Inconformado, Raul morreu de incompreensão. Mas já é lenda. É espírito e transcendência. E, por ironia, volta à cena pelas mãos do baiano ACM, tido como um dos donos do poder. Mas não faz mal. Raul é poeta. E os poetas são, acima de tudo, magnânimos.


Gustavo Dourado

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